terça-feira, 28 de janeiro de 2014

NACIONAL PORREIRISMO

Não é costume meu embarcar em generalizações. Elas são, na maior parte das vezes, injustas e perigosas. No entanto, toda a regra tem uma excepção e neste caso não há como escapar às abstracções. Todos nós gostamos de ser tratados como gajos porreiros e identificados como tal. O Nacional Porreirismo é um modo de estar e mais do que isso uma filosofia de vida. Todos almejam o epíteto de pessoa porreira, mas desejam ainda mais o tratamento nas palminhas das mãos e com a habitual benevolência de um nacional porreirista...
O Nacional Porreirismo, aplicado no plano laboral, aquele que me interessa falar, acarreta dois problemas essenciais:
1.   Quando condescendemos demais “comem-nos as papas na cabeça”;
2.  Quando não condescendemos somos invariavelmente uns “chibos” ou, pior ainda, uns “filhos de... meretrizes”.
A bitola é esta e não existe zona cinzenta. Ou somos os maiores do porreirismo ou não valemos um “chavelho”. Também podemos variar na escala do porreirismo, consoante o dia e a decisão tomada, tipo bolsa de valores. Hoje podemos estar em alta e amanhã cair a pique. São exemplos disso o famoso: “aquele gajo?! Aquilo é cinco estrelas. Atrasei-me de manhã e ele nem me deu um raspanete” para casos positivos; ou o usual: “o gajo não vale népia! Só por me ter enganado no formulário e enviado o produto sem querer para o Sri Lanka ao invés da Noruega, levei uma descasca daquelas” para situações negativas.
O Chico-Esperto é o mamífero que, por princípio, se movimenta melhor neste ambiente. Tem a capacidade sui generis de identificar à légua os tansos que se deixam manobrar. Os tais gajos porreiros que pouco ou nada exigem ou dizem, para quem está sempre tudo bem e que o melhor mesmo é não levantar ondas. Para o Nacional Porreirismo esta malta vale ouro, porque ambiciosos ou não, esta classe encobre problemas e deixa as coisas rolarem numa eterna e desgastante incompetência melancólica.
É na exigência e na confrontação que o Nacional Porreirismo normalmente se expressa em toda a sua magnitude. Quando há uma necessidade de resultados e se impõem metas, as pessoas quase instintivamente adoptam uma posição defensiva logo à partida, para a eventualidade de alguma coisa falhar. O “sacudir a água do capote”, o “errar é humano”, o “uma mão lava a outra” ou o “bode expiatório”, são técnicas evasivas usuais. Um constante corrupio de desculpas para as nossas próprias falhas, descartando assim responsabilidades. Quem alinha com este diapasão e encarrila neste discurso é considerado um gajo porreiro, pá! Do melhor que o Nacional Porreirismo pode oferecer. Mas estas pessoas são na verdade cúmplices que ajudam a enterrar uma culpa que, invariavelmente, morre solteira e sozinha.
Quando uma obra de construção civil está atrasada há sempre versões contraditórias entre os agentes intervenientes, num esquema que funciona género “pescadinha de rabo na boca”. Mal julgamos ter chegado ao fim, deparamos que acabámos efectivamente no mesmo sítio. Interpelado sobre o atraso, o Engenheiro vai descartar culpas para o Capataz e para os burocratas camarários. O Capataz, por seu lado, diz que a culpa é do Pedreiro e do Engenheiro que anda sempre com contas. O Pedreiro vai onerar o Capataz por não lhe dar o material a tempo e horas e o Engenheiro, embora nem saiba ao certo qual o trabalho deste. Provavelmente, todos irão também imputar responsabilidades às condições climatéricas; porque no Inverno chove e no Verão faz calor. São uma porra as Estações do Ano... Sistematicamente, o resultado deste tão português episódio é sempre o atraso de meses ou anos na finalização da obra e a habitual “derrapagem financeira”.
Quem não quer e não aceita pactuar com este tipo de situação, passa obrigatoriamente para o campo da confrontação. E neste campo não há quartel. Alguém que chame outrem à responsabilidade por um erro ou um esquecimento, tem prometida uma guerra interminável. A cultura da exigência e da responsabilização não encontra eco no Nacional Porreirismo. Alguém que responda pelos seus actos, leal, frontal e que solicite o mesmo dos demais que o rodeiam terá um sério problema dentro da nossa estrutura laboral. Quem pensa que este é um fenómeno restrito à relação chefe / subalterno, desengane-se. Obedece a uma lógica transversal, vertical e horizontalmente falando, e tem sempre dois sentidos.
Quanto a mim, muito sinceramente, quero essencialmente ser um gajo justo. E sei que isto é pedir muito, pois o critério de justiça encerra em si mesmo alguma subjectividade. No entanto, se no fim da jornada conseguir fechar os olhos e adormecer , isto significa que não estarei muito longe desse objectivo. Se assim for... Tudo estará porreiro, pá!

28 de Janeiro de 2014
Miguel Dias