domingo, 22 de fevereiro de 2015

O Placard

As coisas estão a mudar. Se calhar não tão rapidamente como desejávamos. Mas o nosso Portugal tem uma velocidade diferente. Quase como se o tempo tivesse uma dimensão paralela neste cantinho. Mas as diferenças vão-se notando, entre os agentes políticos e essencialmente nos seus discursos.
Ao que parece o monopólio da propaganda, que outrora se afirmava ser pertença do PCP, embora eu julgue que é uma percepção abusiva, deslocou-se para o centro e direita partidária. Com efeito, os chamados partidos do arco da (des) governação, na generalidade coincidente com o arco da corrupção, apropriaram-se da retórica vazia de conteúdo e plena de sound bytes. Temos sido inundados por pérolas do género. Desde o milagre económico, ao país está melhor os portugueses é que não, tudo serve para manter as pessoas na eterna expectativa. O suspense político é uma arma normalmente utilizada pelos que depois de esgotadas todas as ideias e nenhuma resultar, não sabem mais o que fazer.
Como é possível, por exemplo, que se fale de coesão social num país onde a austeridade brutalizou o contracto social. A relação de confiança entre cidadão e Estado está ferida de morte. E isto não é exclusivo das classes mais desfavorecidas. Também na classe média e mais abastada se sente uma profunda decepção pelo caminho escolhido por este Executivo.
O problema é que a jusante, nada de novo… O actual líder do PS elabora discursos com grande nível de erudição e cheios de opacidade. Com o nível exacto de cinzentismo para não se comprometer com nada. É difícil levar a sério um líder da oposição que apenas diz que não vai fazer como o Governo e que a austerirdade não presta, nunca concretizando uma alternativa. Isto leva-nos a pensar que quando ocupar a cadeira do poder será mais do mesmo com algumas nuances
Pior é que os meios de comunicação social fazem eco deste vácuo. Minam os seus painéis de comentadores com figuras do “centrão”. E mesmo os debates televisivos estão sempre pejados destas individualidades, salpicados aqui e além com alguém da real alternativa política. Foi o que aconteceu por exemplo no programa “Expresso da Meia-Noite”, na última sexta-feira dia 20 de Fevereiro de 2015 na SIC Notícias. Com o destacado Duarte Pacheco entre o painel, assistiu-se a uma autêntica acção de propaganda política, na defesa leal de um Governo que, em tempos de Democracia, atacou como nenhum outro a dignidade dos cidadãos. Na realidade, quase a totalidade do painel se uniu contra o discurso de inverdades desse senhor, que repetia incessantemente a meia dúzia de medidas que este Governo tomou para resolver o estado problemático a que o país chegou e cuja maioria ainda não deu provas de resultar (e que certamente nunca dará). A este estado de catarse, Ana Drago simplesmente observa algo semelhante a: “pronto não vale a pena; isto é como estar a falar com um placard”.
E é isso mesmo! Falar com estas pessoas ou com uma parede é exactamente a mesma coisa. Perdão, é muito pior… Pois as paredes, embora possam ostentar placards, não estão imbuídas de um fundamentalismo ideológico que redundou num fracasso em toda a linha, mas que esta pandilha insiste em aplicar. O povo, esse, leva com o placard a torto e a direito, como se merecesse alguma espécie de castigo pelas decisões políticas erradas dos sucessivos governos…
Mas a característica primordial de qualquer placard é que não replica, deixando sem resposta os anseios da população portuguesa. E mais tarde ou mais cedo, as pessoas vão-se fartar de falar com as paredes.
Montijo, 21 de Fevereiro de 2015

Miguel Dias

sábado, 14 de fevereiro de 2015

FALEMOS DE PESSOAS

Não é fácil gerir o dia-a-dia… A administração do quotidiano, dos sucessos e insucessos, pode ser exacerbante. À medida que calcamos caminho afiguram-se novos desafios que terão de ser enfrentados. Quando alguém conquista certos êxitos na sua vida e ganha uma posição de relativo destaque ou poder, as coisas tendem a complicar-se e não raras vezes essas pessoas descarrilam do trilho que escolheram. Existe a ideia pré-concebida de que à medida que uma pessoa “sobe na vida” deve deixar de dar importância a determinadas matérias. Questões menores, como muitas vezes são apresentadas. Eu acho o contrário!
Na verdade, é chegando a esse ponto que a nossa influência deve ser direccionadana ajuda ao próximo, tentando alterar o estado de coisas. Pelo menos no meio em que nos movimentamos. Se é frequente assistir por parte do cidadão comum a atitudes que defendem um bem maior e uma melhoria social, que será transversal à sociedade, quando esse mesmo cidadão “chega aotopo” facilmente esquece a defesa desses valores. Comummente transforma-se numa criatura egoísta e ensimesmada, onde os únicos desideratos serão a prossecução de objectivos pessoais e o benefício “dos seus” (familiares ou aliados de circunstância).
Mas esta generalização, embora tenha fundamento na vivência que experimentamos há várias décadas, não pode nem deve encobrir uma minoria que pensa de forma diferente; que vê a ascensão e o poder não como um fim em si mesmo, mas como uma forma de beneficiar toda a sociedade; que coloca o enfoque sobre a vertente social. Uma minoria que não vê o país como uma abstração numérica, no qual impera uma visão individualista e uma ditadura dos mercados. Portugal é de todos, mas este país, e suas elites governativas, não tem tratado todos de igual forma.
Assim, uma mudança de políticas onde o âmago estánas pessoas é necessária e urgente. Esta urgência não pode continuar a ser colocada em segundo plano relativamente a metas orçamentais, compromissos financeiros e exigências económicas, que nos são impostas por entidades externas isentas de qualquer pingo de solidariedade. O país tem vivido prostrado por tais imposições, sem oportunidade de se reerguer e de optarpor outro modelo económico, que aposte num crescimento sustentado (e sustentável) e onde existam mais remédios para além das exportações. A palavra competitividade, repetida até à exaustão no discurso político vigente, tem de ser substituída pela palavra complementaridade. Só assim fará sentido a inserção de Portugal no espaço europeu que se fundou solidário e tem deixado de o ser.
Só através da implantação de um modelo de desenvolvimento que cumpra os critérios constitucionais e que oriente a economia nacional para a população, podemos cumprir o compromisso primordial nas democracias modernas, que no fundo não é mais do que o contracto social que liga o Cidadão ao Estado. Se os compromissos são para cumprir, este é o mais importante de todos. Porque falamos de pessoas.

Montijo, 13 de Fevereiro de 2015
Miguel Dias