sábado, 24 de janeiro de 2015

A Democracia como geradora de estabilidade

Começa a tornar-se irritante o constante tremelique que a menção de eleições causa nos mercados financeiros. Então quando saem as primeiras sondagens e as mesmas são inconclusivas ou ditam vitórias de forças progressistas, é um ver se te avias. A ilação a retirar é que o sistema financeiro que actualmente impera, lida muito mal com o sistema político que nos rege – a Democracia. O escrutínio da vontade do povo é visto como um factor de instabilidade pelos agentes económicos Até houve quem defende-se na praça pública a suspensão da Democracia durante o tempo que fosse necessário para sairmos da crise...
A estabilidade em Democracia é sufragada. Não existe, nem pode existir, outra forma de a alcançar. Esta pode chegar de várias maneiras: maiorias absolutas, acordos de incidência parlamentar, coligações, entre outras. Claro que qualquer solução deve sempre reflectir a vontade do povo e do seu voto, expresso em sufrágio universal.

A pressão exercida sobre a Grécia, para que o povo vote em consonância não com os seus interesse, mas em conivência com os poderosos da União Europeia, é inqualificável. Tal episódio suceder no seio de uma organização que deveria primar pela unidade, desenvolvimento e solidariedade entre países, é hediondo. Infelizmente alguns países, embora não apoiem expressamente esta pressão, tornam-se cúmplices silenciosos por não se demarcarem de este tipo de atitude.

Ora o sistema financeiro parece conviver muito mal com esta suposta libertinagem do povo escolher quem os governa. As eleições antecipadas ou impasse nos resultados obtidos são autênticas dores de cabeça que fazem Bolsas colapsar, Juros escalar e Multinacionais abanar. Será mesmo a Democracia uma ameaça tão grande ao actual capitalismo globalizante? Ao que parece, sim. Prova disso é esta estranha dança que observamos ciclicamente, entre cadeiras governativas e corporativas...

Ainda não terminou este círculo legislativo e muitos já saltaram para prateleiras douradas. Arnaut, Moedas ou Gaspar são apenas 3 exemplos de como o poder económico e interesses instituídos recompensam muito bem os seus correligionários. Esta promiscuidade não é de agora nem é exclusivo nacional, mas é cada vez mais notória. Medidas terão de ser engendradas no sentido de não permitir estas situações. Se passa por um período de nojo (para tudo, ironicamente, meter menos asco), por uma proibição absoluta de ocupar cargos em determinado sector ou por qualquer outra via, é o que urge discutir.

A estabilidade construída nestes pressupostos, de favorecimentos e facilitismos, é errada e vai apodrecendo aos poucos as relações sociais de confiança. A estabilidade deve ser orientada no sentido de edificar uma sociedade mais justa e um estado social mais forte. Só assim poderemos alcançar a paz social gritada por muitos, mas concertada por poucos.

A credibilização dos agentes políticos e o renascer da confiança na relação público/privado passa também por aqui. Mas este caminho é menos proveitoso, mais difícil. E o status quo instalado dificilmente cederá a sua posição dominante. É mais fácil contar com os velhos conhecidos do “arco da corrupção” do que enveredar por uma alternativa baseada num modelo mais claro e límpido, que atenue as desigualdades e fomente a confiança. Aí também se pode construir a estabilidade. A estabilidade de todos terem direito a uma fatia maior do bolo. 

Um modelo político mais progressista não terá de ser visto como uma ameaça para as grandes empresas, antes como uma oportunidade. Se todos tivermos maior poder de compra, todos consumiremos mais. Desta forma, novos modelos surgirão e democratizarão a economia de mercado. Os micro-empresários ou as cooperativas conquistarão a sua posição no mercado virando-se para nichos particulares. Este novo paradigma é fundamental para que o futuro seja mais justo. Para que doravante, os mercados não vivam com medo da Democracia e, simultaneamente, a acção desta última não fique refém dos poderes económicos instituídos. O “capitalismo-eucalipto”, que seca tudo em seu redor, tem de ser travado. Unir esforços em torno desse objectivo, não pode ser visto como uma questão menor... 

Numa sociedade moderna que prime pela liberdade, onde a justiça e a solidariedade, no seu sentido lato, são pilares fundamentais, só a Democracia em pleno e salutar funcionamento (representativa, mas também participativa e deliberativa) pode ser geradora de estabilidade.

Montijo, 23 de Janeiro de 2015
Miguel Dias 

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

O Caso TAP e o pseudo-sindicalismo

Uma barbárie autêntica, tudo o que se passa em torno da TAP. A privatização propriamente dita já foi amplamente rebatida na praça pública. Mas o passo dado ontem no acordo alcançado com 9 dos 12 sindicatos representativos dos trabalhadores daquela empresa (ainda) pública entra num nível totalmente diferente. Em bom rigor, deve-se referir que os 3 sindicatos que ficaram de fora do acordo representam a maioria dos sindicalizados.
A ostracização de determinado grupo de trabalhadores é, além de anticonstitucional, de uma baixeza política sem paralelo, mesmo neste Governo. Os sindicatos que não quiseram negociar, fizeram-no porque, na realidade, essa discussão estava viciada à partida. Isto é, o plano de privatização estava traçado e nada do que os sindicatos pudessem dizer iria alterar esse estado de coisas. Aliás, o Governo fez questão de afirmar peremptoriamente que nada o iria demover de vender a TAP. E foi baseada nessa premissa que o grupo dos 9 sindicatos decidiu encetar uma ronda negocial, cancelado a adesão à greve prevista para o período natalício.
Chegados a este ponto, existem duas questões que interessam analisar. A primeira diz respeito aos sindicatos e às diferenças que efectivamente existem entre os mesmos. Pode-se dividir a actividade sindical, grosso modo, em dois grandes grupos: os sindicatos do sistema e os sindicatos do não-sistema, que tentam resgatar a dignidade laboral à Coligação. Os sindicatos, principalmente os do sistema, têm de entender que são estruturas colectivas baseadas na vontade de união dos trabalhadores, para assim ganharem escala e poder negocial junto de quem decide ou detém o capital. Essa relação é tradicionalmente desequilibrada em desfavor dos trabalhadores e os sindicatos surgem como uma resposta para atenuar esta desigualdade. Representam em primeiro lugar os seus associados, mas nunca podem olvidar os restantes trabalhadores da empresa em questão, sob pena dessa desmoronar como um castelo de cartas. Por isso mesmo, quando ontem se ouviu o execrável Pires de Lima destilar veneno, acompanhado do cobrador do fraque das privatizações Sérgio Monteiro, garantindo que haveria uma cláusula de salvaguarda no caderno de encargos para os funcionários sindicalizados num dos 9 sindicatos, essa peçonha alcançou todos os sindicalistas que colocam uma visão redutora e individualista à frente da ideia de união e ganho colectivo. Este grupo dos 9 deveria imediatamente demarcar-se desta posição e afirmar claramente que numa empresa todos os trabalhadores devem ser tratados de forma igual. Não será certamente a ressalva que nenhum dos seus associados vai ser despedido enquanto o Estado for accionista da TAP (pelo período previsível de 2 anos), que salvará a empresa. Em última análise, o despedimento dos funcionários dos outros sindicatos ou não sindicalizados esvaziará a TAP de capital humano e a empresa implodirá. Esta falsa sensação de insegurança pode ressaltar e apanhar desprevenidos todos os associados deste grupo dos 9. Num cenário deste tipo é fácil adivinhar o avanço da terciarização do trabalho na empresa e consequente precarização, onde dificilmente se evitará o contágio a todos os seus trabalhadores.
A segunda questão relaciona-se com a posição negocial, que o Governo tem tomado na concertação. Numa atitude claramente de rufião, o Governo impõe a sua força, passando a mensagem de que “quem não está connosco, está contra nós”. A democracia, o consenso, o direito à opinião e à diferença são factores que ficam à porta da sala de reunião. Com isto pretende-se incutir na opinião pública que o Governo leva sempre a sua avante e que mais vale aceitar um brinde do que ficar sem nada... Nesta negociação vende-se a ideia de que quem negociou com o Governo tem o bónus de não ser despedido, enquanto os outros terão como destino as filas dos Centros de Emprego. É a instalação do medo como arma negocial, o que revela tiques totalitários que outrora descartámos.
Quem tenta discernir para além da cortina de fumo, pode adivinhar uma intenção governativa evidente. Com esta postura e tipo de negociação, o Governo pretende esvaziar de conteúdo os sindicatos não-sistema que lutam contra o resgate dos direitos laborais. O objectivo desta política da inevitabilidade é que o discurso sindical caia no campo da retórica pura, contribuindo para a opinião mais ou menos generalizada de que os sindicatos não fazem nada, nem fazem falta.
A verdade é que em muitos sectores têm sido os sindicatos que, bem ou mal, têm assegurado o mínimo e posto um travão à índole híper-reformista da Coligação. Mas também é verdade que cabe a estes, principalmente os do não-sistema, melhorar a forma de comunicar, explicando qual o seu espaço e importância na sociedade actual.

Pessoalmente, não tenho qualquer dúvida que os sindicatos são essenciais na relação laboral, e mais ainda em alturas de crise como a que atravessamos, em que os cortes e recortes, a precariedade e o desemprego, afectam tantos trabalhadores. A contratação colectiva e a luta pelos direitos laborais são também uma arma da maior relevância na eterna tentativa de atenuar as desigualdades e caminhar para uma sociedade mais justa e redistribuidora da riqueza gerada. Contudo não podem limitar a sua existência a fechar-se na posição do contra. Mas também não devem aceitar presentes envenenados, como as negociações viciadas com condições aprioristas determinadas unilateralmente. Se optarem por esta última via, realmente não farão muita falta...

Montijo 16 de Janeiro de 2014
Miguel Dias

Delegado sindical e membro do conselho nacional do STEC (Sindicato dos Trabalhadores das Empresas do Grupo Caixa Geral de Depósitos)

Mudar a mudança

A Mudança?! A Mudança começa hoje. Bom, amanhã o mais tardar… Talvez para a semana. Daqui por 15 dias a um mês no máximo. Na realidade, agora não é boa altura; mete-se as férias… Depois vem o regresso da escola e a lufa-lufa com as crianças. E num saltinho estamos no Natal e no período das festas. Provavelmente para o ano poderemos reflectir melhor sobre o assunto.
E é assim que a coisa vai, com a ideia que a mudança está ali ao virar da esquina, mas que é meio abstracta, pelo que as pessoas ou não a conseguem avistar ou não a detectam. Eu não embarco nesta metáfora que nos tentam vender de que a mudança vem a caminho. Para mim, e para a maioria do povo, é bem notório que a mudança já está entre nós. E nós sentimos na pele e aguentamos esta infâmia, primeiro com os PEC’s e depois com a Troika.
A mudança é a subversão do que Abril tem construído ao longo de 4 décadas. A austeridade que se abateu sobre nós, sob o estalar do chicote da coligação, tem aos poucos estrangulado os nossos direitos e contribuiu sobremaneira para o definhamento de uma economia que já de si não era nada robusta.
“Mas o país está muito melhor”. Pelo menos é o que defende um Monte Obscuro e um qualquer indivíduo que ainda agora chegou e que ninguém sabe ao certo o seu papel, para além de insultar as instituições democráticas do país com uma ironia insalubre. Falo evidentemente do indivíduo que conjuga no nome uma peça de loiça com a capital do Perú, que não se cansa de espalhar aos quatro ventos o milagre económico português. São as exportações, estúpidos! Grita ele do alto da sua própria ignorância. Não consegue entender tampouco que se as exportações subiram, muito se deve à estratégia de sobrevivência dos próprios empresários, extinto que foi o consumo interno. As desigualdades aumentaram barbaramente e há cada vez menos pessoas com dinheiro. E aí, por muitos Passos de mágica que se possam fazer ninguém conseguirá tirar um Coelho da cartola, nem se vislumbram Portas de saída deste modelo económico sisudo.
As nuvens cinzentas não se dissiparam. Elas estão bem presentes nas sombrias almas dos indigentes, das mães que levam os filhos de barriga vazia para a escola, dos precários que esticam os trocos para honradamente fazerem face aos compromissos, dos desempregados que perderam a esperança, dos doentes que vêm vedado o acesso a tratamento, do terço das crianças e jovens em risco de pobreza, dos reformados que recebem uma esmola em lugar da pensão e de todos os trabalhadores em geral que vêm a sua dignidade laboral ser delapidada dia após dia… Desafio a nossa classe dirigente a olhar nos olhos dessas pessoas. Logo perceberão que estas chovem por dentro!
Se isto é a mudança, eu dispenso! Rejeito-a. Devolvo à procedência. Só estarei em consciência com um modelo progressista, com uma preocupação marcadamente social, que não deixe cair as pessoas ao mar, vítimas da tempestade austera que se abateu sobre o país. Sim, porque os países e suas economias têm pessoas lá dentro. Não apenas entidades ou instituições, mas pessoas de verdade. Com necessidade, mas também com aspirações e anseios. E quando este Governo fala em reduzir a despesa, como uma metáfora para cortar prestações sociais, reformas e salários, é essencial afirmar que no fundo falamos da redução drástica do poder de compra da população, que muitas vezes chega á fasquia do incumprimento ou da fome, bem como da mutilação dos seus sonhos e desejos.
É ao povo descrente e anónimo, ao povo que deixou de sonhar, que dedico estas linhas. A todos os que não encontram quem os represente e defenda. No Movimento Tempo de Avançar, que constituirá uma Candidatura Cidadã às próximas legislativas com base num processo de primárias abertas, no qual qualquer cidadão que se reveja nos princípios orientadores subscrevendo a Convocatória pode participar, encontrarão um porto de abrigo. A participação pode ser feita elegendo os candidatos de sua preferência para a ordenação das Listas a cada círculo eleitoral, ou propondo-se como candidato. Todas as pessoas que julgam ter algo a acrescentar ao panorama nacional têm aqui uma oportunidade para difundir as suas ideias, sem estar à espera das boas graças da distrital de um qualquer partido ou do habitual convite para compor as listas.
O trajecto que completei nos últimos tempos trouxe-me aqui, cidadão anónimo e vazio de presunção, não pela procura de qualquer espécie de protagonismo, mas pela procura de respostas. Eu não quero um palco, quero alguém que projecte a minha voz. Encontrei neste Movimento o equilíbrio perfeito entre os anseios do povo e as necessidades do país. Desejo crescimento económico, mas sustentado e sustentável, na medida em que o mesmo deve ser consistente, e não fruto de medidas avulsas e esporádicas, e ao mesmo tempo respeitar os princípios ambientais e de exploração dos recursos naturais. Pretendo um Estado interventivo e que exerça o papel de regulador da economia portuguesa e que não seja um mero espectador. Caso contrário, que sentido faz indigitar Governos? Necessito que se devolvam os direitos aos trabalhadores e a dignidade ao trabalho. Pretendo que os reformados deixem de ser esbulhados dos seus rendimentos, fruto de vidas dedicadas ao trabalho e à construção deste país. Exijo um Estado Social, garante dos valores constitucionais, que atenue as desigualdades gritantes fazendo a redistribuição da riqueza gerada, mas que tenha também um papel preventivo, arquitectando uma pré-distribuição que evite que uma criança ou um idoso passe fome, por um simples dia que seja.
As respostas a estas preocupações encontram-se neste Movimento que converge diferentes sensibilidades, mas com um objectivo comum. A constituição de uma alternativa que sirva para desbloquear o impasse folclórico da Esquerda e possa viabilizar, caso o eleitorado assim o entenda, uma solução governativa. Esta terá de ser exaustivamente discutida e debatida, ponto por ponto. Terá de ficar plasmada para conhecimento público e não deve conter uma única palavra que duvidemos conseguir cumprir.
Tempo demais estamos coligados no insucesso. Agora é o momento. É Tempo de Avançar! Os anos de Austeridade, de retrocesso civilizacional, deverão funcionar como um farol, para nos lembrar que não queremos voltar a esta época medonha.
Avancemos então… Sem medos!

Montijo, 13 de Janeiro de 2015
Miguel Dias
Promotor do Tempo de Avançar

Membro do LIVRE