terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Com os desejos de um 2015 menos austero

2014 – Sob o signo da austeridade

O ano horribilis de 2014, que agora chega ao fim, foi o ano em que a palavra austeridade deixou de ser encarada como uma novidade e entrou definitivamente no léxico do povo português. Mas essa não vem só… Vem acompanhada de rendas e adornos e toda uma novilíngua que nos força a ideia já gasta de que não há dinheiro e que por isso foi (e é) preciso cortar, perdão – “reformar”.
O recente enaltecimento do esforço da população portuguesa por parte das principais figuras governativas é hipócrita e soa a uma falsidade pré-eleitoral que dá asco. O esforço imposto aos cidadãos, e que nunca foi pretendido por estes, não foi justo nem uniforme, como tanto apelidam. Quem pagou, e continua a pagar, esta fatura foram os mais desfavorecidos e a classe média. Não se pode de forma alguma defender que alguém com o salário mínimo, alguém que se equilibra numa precariedade constante ou que esteja desempregado, contribua da mesma forma para o esforço nacional de regularização de uma dívida, que em boa verdade até deveria ser reestruturada. Mas essa é outra história.
Os “Gatos Gordos” da economia portuguesa, que engrossam milhões aos seus lucros apesar da crise, não são convocados a colaborar com qualquer esforço adicional para fazer face a esta situação de emergência nacional. O tal dever patriótico que tanto apregoam. Antes pelo contrário, até beneficiaram de alguns alívios como a descida do IRC e da TSU no caso dos funcionários que recebam o ordenado mínimo. E mais contrapartidas virão certamente, se a suspensão transitória da redução do pagamento das horas extraordinárias realmente acabar no final do ano tal como está estipulado. Nunca fiando, pois esta já sofreu um adiamento…
No fundo, isto é a tradução perfeita da expressão sabiamente utilizada por uma figura proeminente do maior partido da direita nacional – Luís Montenegro, que afirma: “a vida das pessoas não está melhor, mas o país está muito melhor”. Aquele tal país em que não habitam pessoas verdadeiras, apenas estatísticas e grandes corporativas. Aquele país que está a ser vendido a retalho. Esse está muito melhor! Mas nesse país eu não vivo, nem a maioria dos portugueses…
Da infeliz, embora sentida, expressão deixada para a posteridade poderíamos tecer uma série de episódios no presente ano que tão bem a ilustram. As dificuldades no Serviço Nacional de Saúde e no tratamento dos doentes crónicos, as dificuldades no ensino obrigatório e a decadente novela de colocação de professores, as dificuldades na justiça e um novo mapa judiciário que dificulta o acesso das populações aos tribunais. Estes são apenas alguns exemplos do que se passa no país real, o tal que está muito melhor. Que não foram escolhidos ao acaso. Tratam-se de setores basilares para uma democracia moderna e defendidos pela nossa Constituição.
Quando por vezes me perguntam qual a grande diferença entre a Esquerda e a Direita recorro ao tipo de resposta dada por cada lado da barricada perante os dramas sociais. A reposta perante os doentes, os desempregados e os mais necessitados. Nesses casos a Esquerda tem sempre uma visão muito mais social. Cria medidas concretas para tentar solucionar os problemas. A Direita ou vai a reboque destas medidas, embora retalhando-as aqui e ali, ou diz que o que é realmente preciso é menos Estado e mais iniciativa privada, criticando a apelidada subsídio-dependência, que no fundo não é mais que a tentativa de atenuar as desigualdades através do papel redistributivo que o Estado Social deve ter.
Com efeito, a vida das pessoas não está melhor. Está cada vez mais difícil… E não posso deixar de concluir que é mesmo esse o objetivo. A construção de uma sociedade com baixa qualificação, fracas expectativas e disposta a aceitar tudo o que lhes for imposto, sem qualquer contestação, sem qualquer sobressalto. É a implantação da Austeridade como dogma político, que vem acompanhada de um Tratado Orçamental que estrangula as economias pequenas e que tornará impossível quebrar o círculo recessivo e impor a agenda progressista que Portugal necessita.
Despeço-me com o habitual desejo de um próspero ano de 2015 para todos, mas infelizmente suspeito que tal não será possível. Talvez seja mais realista desejar apenas um ano menos austero…

Montijo, 28 de Dezembro de 2014
Miguel Dias
Membro da Assembleia do LIVRE e do Núcleo Territorial de Setúbal
Promotor da Convocatória Tempo de Avançar

http://www.distritonline.pt/opiniao2014-sob-o-signo-da-austeridade/