sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Os 10 000


Dez mil... Esperem o número assim escrito não transmite a sua verdadeira grandeza. Vou tentar de outra forma: 10 000. Não. Mesmo assim não lhe faz justiça. Talvez 10 000 pessoas?! Sim isso mesmo, 10 000 pessoas; 10 000 portugueses, grande parte jovens licenciados. Esse é o número de cidadãos nacionais que saem todos os meses do país, para tentarem a sua sorte lá fora. E como até agora ainda ninguém se aprontou a negar este indicador parto do princípio que este número é fidedigno.
O surto que agora ocorre não é virgem. Já nos idos de 60 do século passado, o país deparou-se com uma onda emigratória, onde o povo fugia de um futuro já traçado de fome e miséria por aquela longa noite negra que durou 48 anos. Encarava a incerteza com uma mão cheia de sonhos e na outra uma mala de cartão. Hoje os jovens que saem levam a mesma mão cheia de sonhos, mas na outra transportam um canudo. O grau académico que será a sua porta de entrada no mercado de trabalho global. E todos os dias, quem fica, vê partir os melhores da sua geração. Aqueles que poderiam realmente fazer a diferença, contribuindo para um país mais desenvolvido e, quem sabe, mais justo.
É compreensível que as nossas esperanças estivessem depositadas na geração que agora se situa entre os 20 e os 40 anos, pois esta é a geração mais qualificada que alguma vez tivemos. Os diplomas que ostentam foram alicerçados no nosso sistema de ensino e no investimento de todo um país. As próprias famílias investiram e muito na formação dos seus, tentando apetrechar estes com as ferramentas que nunca tiveram. Convencidas que estavam de que, com o amadurecimento da Democracia, o conhecimento e o mérito passassem a ser reconhecidos como atributos essenciais para o desenvolvimento do país. O pior de tudo é que esta leva de emigração não tenciona voltar. Esta geração não faz planos. Saí amargurada com uma sucessão de governos que lhes virou as costas e a abandonou no desemprego, mas que antes a fez passar por estágios não remunerados, recibos verdes e contratos precários.
Evidentemente que o fenómeno do desemprego jovem não é um exclusivo nacional. Em toda a Europa esta taxa é também elevadíssima. Não tenho dúvidas que esta enorme barreira na inserção dos jovens no mercado laboral é em larga medida ditada por uma geração mais velha, aburguesada no poder e que conta com o apoio dos grandes interesses instituídos, graças a uma subserviência intrínseca, que lhe amputou a coluna vertebral mas que lhe valeu umas quantas prateleiras douradas. É também fruto de políticas económicas e de emprego erradas, em que o imediatismo é favorecido em detrimento do sustentável. Quem aponta este rumo não consegue perceber que uma visão sustentável ditará, a médio e longo prazo, um crescimento muito maior e mais eficiente.
A perda para Portugal desta população jovem vai criar um gigantesco problema futuro. Num país já de si envelhecido, a saída daqueles que deveriam agora “iniciar” a sua vida adulta, entrando no mercado de emprego, estabelecendo morada, tendo filhos, contribuindo desta forma para a necessária renovação geracional, bem como incentivando a própria procura interna, será a médio prazo um rude golpe, podendo mesmo, em última análise, abrir um “buraco etário”.
Para a nação poder ter um futuro é essencial inverter o quanto antes esta situação. Caso tal não suceda deixaremos de herança às gerações vindouras um país pobre a todos os níveis – social, económico e cultural.

Miguel Dias
29 de Novembro de 2013

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Génese

Aparentemente existe uma enorme vontade política para controlar e reprimir o direito ao protesto e à indinação, mas curiosamente muito pouca vontade para resolver os problemas reais do país e da sua população. Se isto não é o início de um estado opressor, não sei o que será...

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

LIVRE - Eu anseio ser

         No passado dia 16 de Novembro de 2013 estive presente na acção levada a cabo pelo Manifesto para uma Esquerda Livre. Ouvi e meditei sobre a criação de um novo Partido à Esquerda. Até estive quase para intervir, mas por ser algo impulsivo tenho sempre receio que as minhas palavras possam ser interpretadas erradamente. Aliado a isso, o poder de síntese não é decididamente o meu forte e o tempo, o vosso e o meu, era limitado. Posto isto, e visto ser assinante do Manifesto em cujo conteúdo eu me revejo, decidi escrever umas linhas sobre o assunto, pois consigo sempre organizar melhor as minhas ideias e pensamentos desta forma. Deixo assim o meu contributo, que espero seja acolhido de forma positiva e encarado como uma crítica construtiva ao que se perfila no horizonte – a criação de um novo Partido.

            Por mais de uma vez tentei elencar os prós e os contras da criação de um novo partido de Esquerda. Invariavelmente chego ao fim da listagem empatado. Ainda hoje reflicto sobre essa questão e acreditem que não iniciei esse processo apenas nesse Sábado. A pertinência do seu aparecimento e as linhas mestras que deve seguir são perguntas com as quais me confronto e debato. Ressalvo no entanto que, por princípio, sou sempre favorável à criação de Partidos, até porque os considero agentes vitais no funcionamento das democracias.

            Muita coisa foi dita e muita opinião difundida na reunião do Teatro São Luiz. Foi, por exemplo, dito que é preciso acordar os cidadãos para o activismo político, dentro ou fora dos Partidos. Mais, solicitou-se que os militantes que não se revissem nos seus actuais Partidos, tentassem alterar internamente os mesmos. Isso deixa-me a questão: porquê que Rui Tavares não tentou fazer isso no Bloco de Esquerda, quando afirma sentir-se bem com pessoas do Bloco e com algumas pessoas do PS? Poderá estar relacionado com a apelidada falta de liberdade e de pluralidade que afirma faltar no espectro político nacional? Se for este o caso, sou forçado a concordar com esta posição. Os Partidos da Esquerda nacional são demasiadamente inflexíveis. Passam, a meu ver, para além da coerência, pois só organizações autistas não se apercebem das mudanças na sociedade e da realidade em que o país está inserido, quer no contexto europeu, quer no mundial. Infelizmente ainda é prática comum que vozes dissonantes no interior do Partidos sejam ostracizadas e muitas vezes expulsas dos mesmos. Da Esquerda portuguesa separo o caso singular do PS, que já deu mostras de ser bastante flexível à Direita, mas duma rigidez tremenda no seu próprio “meio ambiente”.

            Entre as muitas intervenções destaco uma que afrontava o Comunismo e apelidava as utopias de perigosas. Evidentemente que sou desfavorável à mesma, até porque esta não será a melhor forma de atingir o intento de unir as Esquerdas. Relembro que não foi o Comunismo que nos conduziu ao estado actual, mas se hoje debatemos a Democracia, muito se deve a esse Partido. É certo que muitas utopias são perigosas, aliás a concretização das mesmas, embora a meu ver mais perigosa é a realidade que vivemos! Estamos numa encruzilhada histórica em termos nacionais e europeus. Interessa pois saber qual o caminho que queremos seguir. Para tal, temos de pensar o que queremos ser enquanto povo e enquanto nação. Que modelo queremos instituir e como iremos lá chegar. Em suma, se queremos manter um Estado Social, pedra angular das modernas democracias ocidentais, que seja forte o suficiente para proteger e cuidar dos mais desfavorecidos ou, em alternativa, se optamos por um Estado de serviços mínimos em que todas as funções possíveis são alienadas aos privados, tecendo estranhas teias de favorecimentos a grandes grupos económicos, que florescem à sombra das contribuições de dinheiros públicos. No fundo se pretendemos ser solidários ou se nos rendemos a uma visão darwinista onde impera a lei do mais forte.

            Se tal premissa é conseguida através da criação de um novo Partido é extremamente discutível. Conquanto a declaração de princípios do LIVRE seja quase impossível de criticar por quem se identifique como sendo de Esquerda, a verdade é que o resultado da génese de um novo Partido político pode resultar, ao invés do desejo de unir as Esquerdas, numa vitória para a Direita, por efeito dos problemas inerentes ao círculos eleitorais e ao método de Hondt. A isto soma-se o facto de ser sempre mais fácil a união à Direita pois, convenhamos, a sua agenda é bem mais pragmática e simplista e seus objectivos muito mais imediatos. Julgo que poderia ser encarada a hipótese deste novo partido participar com listas próprias às eleições europeias e autárquicas e tentar negociar coligação/coligações nas eleições legislativas, evitando a possível perda de deputados parlamentares.

            A Esquerda é mais heterogénea na sua composição. Isso acarreta um desafio muito maior para conseguir a sua união. Mas, numa perspectiva positiva, as divergências de opinião enriquecem também o seu conteúdo programático. Do caldeirão de ideias pode e deve surgir uma Democracia “mais representativa” dos reais anseios do povo. Dessa forma chegar-se-á ao maior número possível de cidadãos. Para tal, não basta pegar em meia dúzia de dissidentes do Bloco de Esquerda e do PS, arremessar um punhado de escorraçados do PCP, juntar cimento e mexer tudo. Não é isso que vai dar coesão a um Partido que se apresenta como uma lufada de ar fresco no panorama político.

            Liberdade, Igualdade e Fraternidade, são os princípios basilares que qualquer Democracia deverá seguir. Se juntarmos a isso a Justiça Social temos a receita perfeita para uma sociedade democrática contemporânea. Numa altura em que o populismo encontra terreno fértil para a sua cruzada demagógica, como em todas as ocasiões de crise e desesperança, um novo Partido deverá vincar a sua diferença relativamente aos restantes. Deve também afirmar-se como acérrimo defensor destes princípios, assegurando que a flexibilidade necessária para criar consensos e unir a Esquerda não pode por em causa os mesmos.

            Por último, apraz-me dizer que um novo Partido deve tentar atrair a enorme maioria de abstencionistas, que não se revê em qualquer grupo político. Para essas pessoas o que realmente importa é a constituição de uma entidade que faça eco das suas angústias e que ouça os seus problemas. Precisam de vislumbrar um destino e uma razão para lutar. Precisam de se identificar com um Partido que, até pelo nome que ostenta, deverá ser o mais aberto possível. Porque o preconceito não encontra quartel na Esquerda! Não podemos esquecer que há gente válida em todos os quadrantes políticos. Há também muita gente decepcionada à Direita, que se afastou da política. Há uma enorme massa que não encontra um significado para todos os sacrifícios que têm sofrido. Há muitos milhares que não sabem sequer se são de Esquerda ou de Direita. Portanto acho plausível que a designação Esquerda possa ser retirada da sigla partidária. Por mim não me choca, até porque não necessito de ser constantemente relembrando daquilo que sou.

            Apesar de todas estas ponderações decidi preencher a pré-inscrição de militante, obviamente pendente dos estatutos do novo Partido ainda por anunciar. Isto porque, independentemente da vontade de dar o meu contributo, nunca tinha encontrado um Partido onde revisse a maioria dos meus valores e linhas orientadoras de vida, como sejam o princípio da solidariedade e o modelo de desenvolvimento sustentável, que deverá sempre equilibrar a visão económica com a urgência ecológica. A Europa e o seu futuro é também um ponto urgente na agenda política. O caminho que trilha conduz à decadência e à extinção do sonho inicial. Não passa de um conglomerado mal-amanhado de nações, onde a única política comum é a ditadura financeira. E, claro está, isso tem repercussões inevitáveis em Portugal, economia marginal no contexto europeu. A sua participação na União é encarada como um favor, ao inverso de ser considerado um membro activo e relevante na sua composição.

            Assim, interessa frisar que só a aposta num modelo de real desenvolvimento do país, onde o principal objectivo seja a redução das assimetrias vigentes, sejam elas geográficas, sociais, ambientais, económicas ou outras, pode conduzir a uma Democracia forte e activa. Para qualquer cidadão ter um pensamento LIVRE é essencial estarmos todos ao mesmo nível, tendo igual acesso aos direitos básicos, como a educação, saúde, trabalho e justiça. Só assim se pode operar a mudança...
  

Miguel Dias
21 Novembro de 2013

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Debate: Grandes manifestações – para que servem?

Foi com uma mente aberta e uma esperança escondida, que esta quinta-feira dia 14 de Novembro de 2013, pelas 21 horas, me desloquei ao debate “Grandes Manifestações – para que servem?”, patrocinado pela Academia Cidadã. Sentei-me entre a plateia, com uma expectativa latente e sedento de algo. Este foi o principal condão que a iniciativa teve, o de me meter a pensar realmente, para que servem as grandes manifestações. Pensei ser possível encontrar respostas, mais do que tentar fazer doutrina. Até porque neste capítulo tinha muitas dúvidas e poucas certezas.

À medida que o debate fluía, emergiam algumas ideias válidas e outras que me adensavam as incertezas. Mas assim é nestes casos, e invariavelmente saímos sempre mais ricos destes encontros, porque mesmo cobertos de incertezas alguém nos desafiou e confrontou o intelecto. É impossível não ganhar neste tipo de iniciativas.
Mas curiosamente deu-me a sensação que o “sectarismo” esteve à solta, não no painel de debate, mas entre os assistentes. Quando a voz passou para o lado de cá dos microfones, as posições extremaram-se, numa plateia que estava claramente faminta de revolução. Esqueceram-se é que o “inimigo” ficou à porta e não se encontrava entre aquelas 4 paredes. Foi evidente a crítica, na maior parte das vezes gratuita, ao papel das organizações que se fizeram representar. Apenas por uma vez me lembro de alguém erguer a voz na defesa e louvor da atitude destas pessoas, que muitas vezes representam os anseios de toda a sociedade expiando os seus medos. Estes actores desempenham um papel fundamental, neste teatro chamado Portugal.

O debate em torno das grandes manifestações e sua inscrição no espaço público quer-se sério e profícuo. Isto não é um concurso. Não se trata aqui de demonstrar que a minha ideia é melhor que a tua. Até porque é de um colectivo que devemos falar. Esse mesmo colectivo que com um objectivo delineado – o fim desta política de austeridade – vem ao espaço público clamar justiça. Até porque em última análise as ideias válidas deixam de ser minhas ou tuas e passarão a ser NOSSAS, adoptadas por um grupo que apenas deseja o melhor possível para cada indivíduo que o compõe.

Logicamente em democracia, ninguém está incólume à crítica e ela tem um valor e espaço próprio que importa manter. Estou perfeitamente consciente que é da discussão das nossas divergências que se geram consensos. Mas a crítica tem de ser construtiva, tal como o diálogo. Muito de útil e produtivo foi dito entre o painel, mas da assistência poucas ideias brotaram, embora as participações tenham sido muitas.

A luta que o país enfrenta não se compatibiliza com o protagonismo ou necessidade de reconhecimento. Todos devemos remar no mesmo sentido, unindo esforços por um objectivo comum. A mudança de paradigma político, que se materializa no fim da austeridade, é a principal meta que almejamos. Parece-me pouco provável que tal suceda sem uma mudança governativa, pois o actual elenco já deu mostras de não conhecer outro caminho. Os erros acumulam-se, mas a receita mantem-se. Falharam-se todos os alvos, mas a austeridade continua a ditar a sua lei. É notório que assim não vamos lá.

E é dentro desta conjuntura que se regista a importância enorme da noção de espaço público e a forma como este dever ser ocupado. Sou apologista de que o mais importante é agir. Não apenas no sentido restrito da “acção mecânica”, pois falar, debater, discutir, também pode ser (é) agir. As grandes manifestações servem precisamente para isso. Para transportar a indignação ao espaço público e criar neste um local de debate, de confronto político e ideológico. Mediatizadas pelo número, transmitem um peso próprio e criam uma influência involuntária junto da sociedade civil. Manifestações como o 12 e Março e o 15 de Outubro de 2011 ou o 15 de Setembro de 2012, dificilmente serão apagadas da memória colectiva e tiveram o mérito de voltar a colocar o espaço público na ordem do dia. Espaço esse que, na sua vertente “Rua”, a CGTP nunca deixou morrer. Alimentando-o quase isoladamente durante anos e evitando a sua desertificação e abandono. Mesmo que de simples desfiles se tratassem, esta acção foi essencial para a manutenção do protesto.

A meu ver, esse quase abandono do protesto deveu-se essencialmente a uma falsa noção de prosperidade que vingou na sociedade. Efectivamente um país que pouco produz e que rifou a sua agricultura, pescas e indústria, dificilmente pode ser próspero. E esta nova prespectiva que se impôs primeiro pelas organizações ditas inorgânicas e depois, de forma quase natural, por todos nós, insiste na participação fundamental da população na vida política como agente activo, exigindo a responsabilização de quem está ao leme da nação. E não é pelo caminho da abstenção eleitoral que chegamos a esse fim. A inércia política e a ausência de escolha, é agora um luxo que está ao alcance de muito poucos.

Uma coisa é certa, este tipo de manifestações inorgânicas, geradas a partir de movimentos mais ou menos organizados, mudou a perspectiva que se tinha destas formas de luta. O “monopólio” sindical do protesto deixou de fazer sentido. Isso é essencial para uma larga franja da população, que já não se revê nos partidos ou nos sindicatos, tal como actualmente os conhecemos, e que adere agora a movimentos que denotam um espírito apartidário e plural, independentemente das pessoas que os constituem.

A participação da sociedade civil como um todo deve também ter expressão no espaço público, que eu entendo de uma forma lata. O espaço público é a rua por onde desfilam as grandes manifestações, carregadas da nossa indignação. É a praça pública onde se gera o debate, é o espaço virtual e as redes sociais que acordam o povo e o mobilizam em prol de um objectivo comum. Mas é também o local de trabalho, o café ou restaurante, o transporte público, a nossa vizinhança, a nossa família. Por vezes a intervenção que se inicia nestes nichos tem uma escalda exponencial, criando verdadeiras correntes.

A importância da conquista e manutenção do espaço público, seja pelas grandes manifestações ou pelas pequenas intervenções, é fulcral. Mas tão ou mais importante é a complementaridade que se exige a todos os movimentos, orgânicos ou não, na persecução do mesmo objectivo – a mudança de rumo. Aí sim, o espaço ocupado será verdadeiramente público, pois congregará em si mesmo toda a heterogeneidade que constitui a matriz social. Só vejo uma forma de isto conseguir ser feito. Através da aliança de todos criando uma onda de fundo na sociedade civil o mais transversal possível, que englobe o máximo de ideologias e crenças. Isto não implica a extinção de qualquer movimento. Todos são válidos. Se alguma coisa deve suceder é a aparição de novos, que mobilizem mais pessoas para o protesto É sabido que são muitos os sectores que se encontram descontentes, porque não tirar proveito disso?

Miguel Dias 2013-11-15

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Um estado melhor? – o guião para a reforma do Estado

Cheguei à conclusão que devo ter demasiado tempo entre mãos. Isto porque resolvi experimentar a leitura do tão aguardado guião para a reforma do Estado, da autoria de Paulo Portas. A primeira coisa que me passou pela mente foi que teria descarregado um ficheiro pirateado... Aquilo não poderia ser a augurada reforma do Estado. Mas quando reparei que inúmeras personalidades já esgrimiam argumentos na praça pública, a favor ou contra o mesmo documento, percebi que era o autêntico.
Mas isso é acessório, pois já foram largamente difundidas as críticas relativamente ao corpo da letra e ao espaçamento entre linhas e parágrafos. Vamos ao que realmente importa. O documento peca por uma ausência quase total de propostas concretas. Convém esclarecer que a listagem contínua de evidências, não permite a resolução automática dos problemas. A maioria das ideias constantes neste guião, nem sequer é novidade. Funcionam como redundâncias do actual panorama político. Como se repetindo muitas vezes os mesmo erros, e plasmando-os numa folha de papel, eles de repente se corrigissem “milagrosamente”. Parece-me a revelação de uma teoria – a tautologia da evidência do erro. Sim porque o nosso erro tem um objectivo: o fim do protectorado e o regresso aos mercados, ámen!
Independentemente do guião parecer insosso, não significa isto a ausência absoluta de ideias ou princípios. É aliás sagaz na forma como está construído. Inicialmente dá-se a entender como uma proposta aberta, aparentando uma postura de magnanimidade governativa, e apelando ao diálogo com restantes partidos e parceiros sociais. O mesmo que foi vedado durante 2 anos. Lança também o isco para uma próxima revisão constitucional, que estes senhores anseiam com todas as suas forças, embora aparentem uma ilusória descontração nesta matéria. Nada disto me parece um acaso... E à medida que ia avançando na leitura, o meu espírito começou a ser imbuído pelo teor deste manifesto, marcadamente ideológico.
Nesse capítulo, faça-se justiça, este documento vem iluminar o percurso deste elenco governativo, clarificando as opções e os princípios pelos quais se rege. A teoria da inevitabilidade continua vigente, quando às páginas tantas se repete, mais uma vez, a premissa de que não há redução da despesa pública sem cortes nos salários, pensões e prestações sociais. Começa assim a desmoronar-se a falsa humildade revelada no início do escrito, continuando com o apontar de baterias ao governo anterior, tribunal constitucional, oposição, sindicatos, conjuntura nacional e internacional, clima de "crispação política" (detesto este termo), pirâmides etárias invertidas, mercados financeiros, União Europeia, identificando estes agentes como os responsáveis pelos problemas do país e os principais culpados caso o caminho fracasse. É engraçado a menção que se faz às questões etárias e à não renovação geracional, até porque não existe aqui uma única medida de incentivo à natalidade. Pelo contrário, todas as medidas que foram recentemente aplicadas ou que ameaçam ser, resultam numa contração ainda maior da natalidade. O abandono do país pela faixa mais jovem da população activa, também não irá ajudar em nada esta realidade.
Pela proposta afora, várias são as ideias estapafúrdias defendidas, como a relação entre os cortes e o crescimento macroeconómico. Mais uma vez se repete a noção de empobrecer o país, a bem de uma retoma económica que teima em não aparecer. Mas acena-se com a cenoura do fim dos cortes, como se fossem legítimos, quando se iniciar o tal crescimento económico. Fala-se de uma reforma fiscal, mas que por ora só será aplicada ao IRC, ou seja, às empresas. As famílias, Sr. Portas, aquelas que V. Ex.ª enche sempre a boca para hipocritamente defender, agradecem. Mais uma vez se fala da diminuição do número de funcionários públicos, como panaceia para resolver os problemas estruturais do Estado, mas em contraponto afirma-se a necessidade de contratar pessoas com mais formação. Estou mesmo a ver os “tachos” que se avizinham...
Mas como disse anteriormente, o teor marcadamente ideológico deste documento faz-se sentir a cada página. Está bem patente, por exemplo, na defesa da continuação do processo de privatizações, na defesa da política de concessões principalmente dos transportes públicos, na defesa de um modelo fiscal que nos meteu a todos a descontar mais, no aumento do horário laboral, na defesa de uma justiça mais amiga da economia (???), no lançamento de novas PPP’s no ensino em detrimento da escola pública que se verá esvaziada de fundos, logo de qualidade, e onde poderá surgir um novo tipo de cooperativas de ensino, “as escolas independentes”, detidas por professores e alavancadas pelo cheque-ensino, pelo incentivo reforçado às IPSS’s transferindo assim a responsabilidade social do Estado para terceiros, na alienação a privados dos hospitais que se querem públicos, na desistência da nossa indústria naval, na recorrente teoria do plafonamento das pensões abrindo caminho à tão apetecível privatização dos seus fundos, na transferência para a iniciativa privada de certas funções exclusivas (e que assim se querem num estado de direito) das forças de segurança, na extinção das freguesias (meio decisório mais próximo das populações) e no eminente ataque para a congregação de municípios.
Este folheto afirma categoricamente, que não é intenção deste Governo extinguir o Estado Social, que aliás se revê no chamado “modelo social europeu”. Afirma que é por isso mesmo que o está a desmembrar, perdão reformar. Mas diz mais. Diz que este atributo, reformador, é essencial a todas as forças políticas que constituem governos democráticos, do centro-direita ao centro-esquerda (...) confrontados com a crise (...). Ficámos todos a saber que, para este senhor, os governos fora deste espectro partidário ainda que empossados na sequência de eleições, não são democráticos... Ficámos também a perceber que só em tempo de crise é necessário reformar. A meu ver as reformas (no verdadeiro sentido da palavra) ou melhorias (como eu acho que deveriam ser encaradas) devem ser executadas em altura de prosperidade e não de definhamento, onde tudo está esticado de tal forma, que qualquer alteração na equação resulta no hipotético drama social. É o caso do desemprego e dos vergonhosos cortes nas prestações sociais. Um Estado Social forte e saudável faz mais falta à sociedade precisamente em época de crise.
Gosto particularmente do capítulo 2, denominado de “Reformar é diferente de cortar”. No seguimento desse capítulo afirma-se que “Cortar” é reduzir; reformar é melhorar. Portanto quando o Governo diz que é urgente reduzir o número de funcionários públicos está, logicamente... a reformar! Isso mesmo é comprovado pela intenção do lançamento de um PREMAC 2, sigla que significa Plano de Redução e Melhoria da Administração Central. Assim, podemos facilmente chegar à conclusão que, para este Governo, cortar e reformar são indubitavelmente sinónimos!
Em jeito de resumo parece-me evidente que o pretexto de lançar o debate sobre as tarefas que devem caber ao Estado é uma falácia. O que se pretende é arranjar maneira de alienar o máximo possível à iniciativa privada e manter um Estado de serviços mínimos. Atenção: acho plausível que as pessoas defendam esta posição, independentemente de não concordar com a mesma. O que me indigna é a tentativa de disfarçar o que se está a tentar fazer, ludibriando todo um povo e mantendo-o à tona apenas pelo período indispensável para respirar.
Apesar de tudo existem princípios, quase do senso comum, com os quais concordo. Por exemplo, concordo que é preciso desburocratizar, concordo que é necessário, e urgente, despartidarizar a Administração Central, concordo que é preciso desagravar a carga fiscal, concordo com o aproveitamento e a optimização da “função jurídica e contenciosa” dos serviços públicos evitando o recurso aos grandes escritórios de advogados (vou achar engraçado explicarem isto aos principais fornecedores de recursos humanos da Assembleia da República), concordo com o impulso à reabilitação dos centros urbanos em detrimento da construção de novas áreas (sempre altamente especulativa), concordo que o Estado deve ser mais transparente. Acima de tudo, concordo que o Estado deve ser modernizado, pois como sabemos tudo chega com um certo atraso a Portugal... Inclusivamente, em alguns casos, a inteligência. Mas isso é outra reforma...

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Pintices...

Por incrível que pareça, na actualidade ainda existem pessoas que acreditam que alguns nasceram para servir e outros para reinar. E quem pensa o contrário tem memória curta e falta de inteligência, "prontos", já disse!