Várias vezes me perguntei o porquê de só agora sentir urgência de activismo. Isto porque as questões em torno das incoerências e injustiças sociais sempre me tocaram sobremaneira. Inquietação é o estado de espírito que melhor reflecte as minhas preocupações e anseios. Não deixa de ser curioso, e a meu ver extraordinariamente sensato, de ter sido nas páginas de um livro de Mário de Carvalho – “Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto” – que esbarro com a resposta a esta pergunta... Às páginas tantas, num diálogo à mesa de almoço entre o advogado Carmo Velho (militante partidário) e Joel Strosse (burocrata cinquentão de uma Fundação e proponente ao Partido), o primeiro inquire sobre o porquê de só agora, volvidos tantos anos do 25 de Abril, ocorrer esta tomada de decisão. Joel responde simplesmente: “- Acho que já estou preparado!”
Precisamente. O activismo, a militância, necessitam de tempo de construção. A transferência da contestação para o espaço público, o dar a cara pelo que se acredita, o defender as nossas ideias, implica um certo amadurecimento. A eterna demanda de colocar as questões e soluções sempre na devida perspectiva. Mas neste dado momento, a urgência pode atropelar um pouco o tempo necessário a este processo e mais ou menos preparados teremos de confirmar a presença.
Não sei se causará grande transtorno, mas dadas as circunstâncias não me sinto preparado para rolar e fazer de morto, como nos é solicitado pela narrativa da ausência de alternativa. Aliás, nunca fui muito dado a esses números circenses de cãezinhos amestrados. Decididamente, essa não é minha vocação. Quero também ter voz no debate que gira em torno das opções para o país, do rumo que devemos escolher, do contrato social que se esfuma e do Estado Social que se desmorona. Já não me chega, nem deveria chegar para nenhum de nós, limitar a intervenção democrática às domingueiras eleições. A democracia na nossa sociedade faz-se desde a reunião de pais e encarregados de educação, à Assembleia da República. Do local de trabalho, à manifestação de rua. Nenhum debate é menor e nenhum espaço menos digno. A participação no processo democrático implica aparecer, opinar, colaborar, dialogar, ponderar. E acima de tudo lembrar que em democracia há sempre alternativa.
A realidade assim nos solicita e cada vez mais nos convoca para participar, conforme as nossas capacidades e aptidões, na reformulação e redesenho do país. Um país que se quer mais democrático, mais solidário, mais respeitável. Um país esculpido por um povo honesto e trabalhador, que deve exigir que gente séria nos governe, ao contrário desta corja de malfeitores que sequestraram a democracia e a mantêm refém de uma dívida impagável, que hipotecará o futuro das gerações vindouras! A realidade neste momento específico chama-nos a tomar partido. A abstenção, a ausência de opinião, é um luxo muito acima das nossas possibilidades e implica a contínua destruição do que foi edificado em 40 anos de democracia. A realidade está patente numa rua perto de nós, entra-nos pelos olhos adentro e aloja-se no nosso âmago. Nos tempos que correm, e recorrendo mais uma vez à citada obra de Mário de Carvalho, “A realidade é muito absurda...”
Miguel Dias
24 de Fevereiro de 2014
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