Ainda não havia começado o ano
lectivo e o meu filho já tinha perdido um professor. Cedo se percebeu que
afinal tinha perdido dois… Nada de grave, segundo a tutela. «Um erro apenas.
Pedimos desculpa e asseguramos que a normalidade será retomada dentro de
momentos.»
Formalizado o ridículo lamento e
elaborada nova listagem de docentes, meu filho descobriu que afinal agora tinha
perdido três professores! Gentes de Coimbra ou de Vila Real, que após terem
andando com a “casa às costas”, num autêntico contra-relógio logístico para
estarem devidamente instalados para o início do ano lectivo, vêm vedado o
direito ao trabalho e aberta a porta da incerteza. Pessoas e vidas concretas
que se viram forçadas a optarem entre a sua residência ou a sua vocação para
leccionar. A isto o iluminado Secretário de Estado da Educação Casanova responde
que compreende a situação, mas afirma que legalmente não existe nenhum
mecanismo que possa defender estes professores e compensá-los de todos os
imponderáveis. Diz que há sempre a via judicial… Como se alguém a quem acabam
de abrir a porta do desemprego ou perpetuada a indigência precária pensa-se em
recorrer ao Tribunal.
Meu filho perdeu um professor,
não dois, perdão três. E parece que é um sortudo. Ao invés, turmas existem no
seu agrupamento que têm colocados apenas três professores. Alguns agrupamentos
voltaram a fechar e outros ainda nem abriram. Mas o que nos ensinam estas
intermitências? Que a precariedade veio para ficar. Que a aposta em
descredibilizar a escola pública é bem real. Que as nossas crianças e jovens não
votam, logo não contam. Que os pais sempre se remedeiam ou não fosse o
“desenrascanço” uma “virtude” nacional. Que a educação é um privilégio.
Desenganem-se aqueles que pensam
que o problema está apenas no corpo docente. O pessoal auxiliar é cada vez menos
e multiplica-se em esforços para satisfazer todas as solicitações. Esta é outra
pecha no sistema educativo. Primeiro veio a desregulação do pessoal não docente
e a sua precarização, depois o “ajustamento” dos quadros, agora o desprezo
total. Como se uma escola para funcionar condignamente, com um corpo docente
empenhado em ensinar os nossos filhos, fosse uma espécie de teatro divino
espectralmente ensaiado, uma obra do acaso.
Tudo isto é orquestrado por um
sinistro Ministro da Educação que em tempos falava com ódio dos burgueses e
agora aposta no «aburguesamento» da escola pública. A pretensão que as escolas
funcionem como empresas ou o cheque-ensino são exemplos disso mesmo. Ideias que
até mereceram honras de «guião» por parte do Vice-Primeiro-Ministro. Crato diz
apostar num modelo de disciplina e rigor para a escola pública, que não
consegue implantar no seu próprio Ministério. Patético…
Meu filho perdeu um professor,
não dois, perdão três. Um acho que foi avistado no Algarve, outro nas Berlengas
a ensinar matemática num santuário de aves marinhas. O terceiro está em parte
incerta. As Direcções dos agrupamentos não sabem o que fazer, obrigadas que
estão a assinar de cruz estranhos despachos que as oficializam como
responsáveis de situações que não criaram. Ouvem os berros dos pais, o
desespero dos professores e vêm frustrados os seus esforços para ensinar e
orientar os nossos filhos, tornando-os pessoas apetrechadas das ferramentas
necessárias para «ler e calcular» o Mundo. Essa que deveria ser a tarefa mais
nobre da escola perde-se no empecilho burocrático, no erro, na incompetência
ministerial.
Evidentemente, que os erros no
sistema educativo não são de agora. Começaram antes deste Governo e continuaram
após o mesmo. Mas o caminho que estava a ser trilhado até há meia dúzia de anos
da progressiva melhoria qualitativa da escola pública está agora a desaparecer
debaixo dos nossos pés. Esse caminho estava a ser construído em conjunto com os
trabalhadores docentes e não docentes que em troca viram “descategorizadas” as
suas funções e aumentada a sua precariedade. Chegando-se ao cúmulo de existir
agora um tratamento desigual entre professores, sendo uns qualificados
tacitamente e outros propostos a exame.
Meu filho perdeu um professor,
não dois, perdão três. Possivelmente pela manhã quando chegar à escola
descobrirá que perdeu mais alguns. E eu dissertarei sobre que país é este, que
quer ser desenvolvido e moderno e que não cuida da educação dos seus mais
novos. Que não cuida do seu próprio futuro. Que não defende a educação e muito
concretamente a escola pública, universal e gratuita, como pilar essencial do
progresso e desenvolvimento que se alvitra.
Meu filho perdeu um professor,
não dois, perdão três. Mas descobriu que seu futuro está na charcutaria, pelo
seu vil contributo na alimentaçãoda «salsicha da educação», segundo definição
do eloquente Primeiro-Ministro. Meu filho é presentemente um enlatado! Só
espero que o futuro não o transforme em entalado…
Montijo, 7 de outubro
de 2014
Sem comentários:
Enviar um comentário