terça-feira, 7 de outubro de 2014

Meu filho perdeu um professor...

Ainda não havia começado o ano lectivo e o meu filho já tinha perdido um professor. Cedo se percebeu que afinal tinha perdido dois… Nada de grave, segundo a tutela. «Um erro apenas. Pedimos desculpa e asseguramos que a normalidade será retomada dentro de momentos.»
Formalizado o ridículo lamento e elaborada nova listagem de docentes, meu filho descobriu que afinal agora tinha perdido três professores! Gentes de Coimbra ou de Vila Real, que após terem andando com a “casa às costas”, num autêntico contra-relógio logístico para estarem devidamente instalados para o início do ano lectivo, vêm vedado o direito ao trabalho e aberta a porta da incerteza. Pessoas e vidas concretas que se viram forçadas a optarem entre a sua residência ou a sua vocação para leccionar. A isto o iluminado Secretário de Estado da Educação Casanova responde que compreende a situação, mas afirma que legalmente não existe nenhum mecanismo que possa defender estes professores e compensá-los de todos os imponderáveis. Diz que há sempre a via judicial… Como se alguém a quem acabam de abrir a porta do desemprego ou perpetuada a indigência precária pensa-se em recorrer ao Tribunal.
Meu filho perdeu um professor, não dois, perdão três. E parece que é um sortudo. Ao invés, turmas existem no seu agrupamento que têm colocados apenas três professores. Alguns agrupamentos voltaram a fechar e outros ainda nem abriram. Mas o que nos ensinam estas intermitências? Que a precariedade veio para ficar. Que a aposta em descredibilizar a escola pública é bem real. Que as nossas crianças e jovens não votam, logo não contam. Que os pais sempre se remedeiam ou não fosse o “desenrascanço” uma “virtude” nacional. Que a educação é um privilégio.
Desenganem-se aqueles que pensam que o problema está apenas no corpo docente. O pessoal auxiliar é cada vez menos e multiplica-se em esforços para satisfazer todas as solicitações. Esta é outra pecha no sistema educativo. Primeiro veio a desregulação do pessoal não docente e a sua precarização, depois o “ajustamento” dos quadros, agora o desprezo total. Como se uma escola para funcionar condignamente, com um corpo docente empenhado em ensinar os nossos filhos, fosse uma espécie de teatro divino espectralmente ensaiado, uma obra do acaso.
Tudo isto é orquestrado por um sinistro Ministro da Educação que em tempos falava com ódio dos burgueses e agora aposta no «aburguesamento» da escola pública. A pretensão que as escolas funcionem como empresas ou o cheque-ensino são exemplos disso mesmo. Ideias que até mereceram honras de «guião» por parte do Vice-Primeiro-Ministro. Crato diz apostar num modelo de disciplina e rigor para a escola pública, que não consegue implantar no seu próprio Ministério. Patético…
Meu filho perdeu um professor, não dois, perdão três. Um acho que foi avistado no Algarve, outro nas Berlengas a ensinar matemática num santuário de aves marinhas. O terceiro está em parte incerta. As Direcções dos agrupamentos não sabem o que fazer, obrigadas que estão a assinar de cruz estranhos despachos que as oficializam como responsáveis de situações que não criaram. Ouvem os berros dos pais, o desespero dos professores e vêm frustrados os seus esforços para ensinar e orientar os nossos filhos, tornando-os pessoas apetrechadas das ferramentas necessárias para «ler e calcular» o Mundo. Essa que deveria ser a tarefa mais nobre da escola perde-se no empecilho burocrático, no erro, na incompetência ministerial.
Evidentemente, que os erros no sistema educativo não são de agora. Começaram antes deste Governo e continuaram após o mesmo. Mas o caminho que estava a ser trilhado até há meia dúzia de anos da progressiva melhoria qualitativa da escola pública está agora a desaparecer debaixo dos nossos pés. Esse caminho estava a ser construído em conjunto com os trabalhadores docentes e não docentes que em troca viram “descategorizadas” as suas funções e aumentada a sua precariedade. Chegando-se ao cúmulo de existir agora um tratamento desigual entre professores, sendo uns qualificados tacitamente e outros propostos a exame.
Meu filho perdeu um professor, não dois, perdão três. Possivelmente pela manhã quando chegar à escola descobrirá que perdeu mais alguns. E eu dissertarei sobre que país é este, que quer ser desenvolvido e moderno e que não cuida da educação dos seus mais novos. Que não cuida do seu próprio futuro. Que não defende a educação e muito concretamente a escola pública, universal e gratuita, como pilar essencial do progresso e desenvolvimento que se alvitra.
Meu filho perdeu um professor, não dois, perdão três. Mas descobriu que seu futuro está na charcutaria, pelo seu vil contributo na alimentaçãoda «salsicha da educação», segundo definição do eloquente Primeiro-Ministro. Meu filho é presentemente um enlatado! Só espero que o futuro não o transforme em entalado…
Montijo, 7 de outubro de 2014

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