Conformismo
Ao
tirar-se um instantâneo da sociedade portuguesa fica sempre a noção de que o
conformismo é um dos 3 vergonhosos pilares que a sustenta. Os outros são a
subserviência e o medo, os quais, obviamente, andam todos de mão dada.
Numa
época em que nos acenam com o papão dos mercados, com a certeza da incerteza,
com a precariedade instituída, mais vale, se calhar, contentar-nos com o pouco
que nos resta. Fazer como o passarinho que saltita pelo asfalto em busca
daquela migalha perdida e depois esvoaça para o ramo mais próximo, para cantar
vitorioso mais um dia de alegre sobrevivência. Sim, sim… Mais vale ser como o
passarinho, porque raposas já há por aí muitas e nós não temos matreirice
suficiente para chegar a esse nível.
Ora, a
secular teoria de que mais vale estarmos contentes com o que temos e não
levantar muitas ondas é quase tão antiga como o próprio país e tem raízes numa
religião que sempre incitou este tipo de comportamento, para na retaguarda
ostentar a riqueza arrecadada pela perpetuação da miséria. Numa visão mais
recente, sabemos que os 48 anos da longa noite apenas aprofundaram estes tipos
de sentimentos nos portugueses. Nessa época, a cultura de subserviência foi
aprimorada elegendo-se uma certa casta a que todos prestavam vassalagem e era
um sem fim de Senhor Doutor para aqui e de Sua Excelência para lá.
Incrivelmente, essa cultura persiste nos tempos que correm e é até adoptada por
gerações mais novas, gerações nascidas da Liberdade, mas que se calhar nunca
foram educadas sem grilhetas.
Durante
a longa noite foi também tomando conta o medo. O medo do não haver para comer,
o medo da constante perseguição, o medo dos ouvidos nas paredes e o medo de em
cada amigo ter um bufo. Esta rede montada em regimes autoritários deixa semente
e ainda hoje se vê que é desporto nacional a maledicência, a inveja, a cobiça...
E o
medo continua à espreita em cada esquina. Porque podemos perder o emprego ou sofrer
novo corte na reforma. Pode acabar-se o subsídio de desemprego ou terminarem
com o Serviço Nacional de Saúde. O ensino universal e gratuito pode cessar e
sei lá mais que monte de situações podem ser suscitadas pela sublevação das
massas.
São
estes medos que nos fazem subservientes e conformados com o estado de coisas.
São estes os traumas que assombram o subconsciente nacional…
Recentemente,
alguém me perguntava se eu tinha consciência que a organização para a qual
trabalho era controlada pelo poder político; se era ingénuo a esse ponto...
Respondi que apenas era ingénuo até ao ponto de ter plena confiança no meu
profissionalismo e trabalho desenvolvido, e que não iria ceder a qualquer tipo
de pressão que tentasse incutir-me o medo ou colocar-me numa posição
subserviente perante quem quer que fosse. Resposta naïf, evidentemente. Mas a
verdade é que esta conversa já decorreu há algum tempo... Ainda não me
aconteceu nada; pelo que deduzo que, provavelmente, essa pessoa foi bater a
outra porta, que de certeza se abrirá de par em par.
O
chorrilho de represálias é infinito. Nós pensamos, refletimos, pensamos um
pouco mais e chegamos à conclusão que se calhar mais vale ficarmos quietinhos.
Bem ou mal, estes 40 anos de Democracia sempre nos trouxeram alguns “privilégios”
(leia-se direitos). Será certamente mais seguro manter as conquistas
obtidas, do que lutar pela possibilidade de acrescentar novos direitos. Esta
forma de conformismo, que o é efetivamente, deve ser combatida, quer pela
resistência interior, quer pela união de todos face ao flagelo da falsa noção de Liberdade, que nos enfardam dia após dia, por todos
os sentidos adentro. Com a nossa resiliência poderemos conquistar novas
bandeiras, ao invés de permanecer sofregamente agarrados às mesmas.
A verdade
é que responsabilizamos as entidades competentes muito abaixo das nossas
possibilidades. Reclamamos muito, mas invariavelmente mal. Esperamos sempre que
um qualquer messias de dotes sebastiânicos nos retire do bueiro, para onde ele
mesmo, numa outra vida, nos atirou. Mas, secretamente, sabemos que tal não vai
acontecer... E continuamos presos na nossa revolta. Não saímos à Rua, nem
exigimos responsabilidades. Indignamo-nos com o árbitro que “roubou” o penalti à
Seleção, ao mesmo tempo que elegemos o autarca que “desviou” fundos do erário
público, mas que até vai fazendo obra.
E se o
país fechar? O último que apague a luz? Para onde iremos, cidadãos deste
Portugal, tolhidos pelo medo, pela subserviência e pelo conformismo? Aí já não
haverá tempo para alternativas. Já não haverá tempo para lutar. A austeridade
não deixará pedra sobre pedra, do edifício do Estado Social. Aí será tarde
demais. O Tempo é AGORA! E é Tempo de Avançar!!!
Montijo,
24 de Novembro de 2014
Miguel
Dias
Membro da Assembleia do LIVRE
Subscritor da Convocatória da Convenção
para uma Candidatura Cidadã
(www.tempodeavancar.net)http://diariododistrito.pt/index.php?mact=News,cntnt01,detail,0&cntnt01articleid=2803&cntnt01pagelimit=10&cntnt01returnid=91
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