sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

O Caso TAP e o pseudo-sindicalismo

Uma barbárie autêntica, tudo o que se passa em torno da TAP. A privatização propriamente dita já foi amplamente rebatida na praça pública. Mas o passo dado ontem no acordo alcançado com 9 dos 12 sindicatos representativos dos trabalhadores daquela empresa (ainda) pública entra num nível totalmente diferente. Em bom rigor, deve-se referir que os 3 sindicatos que ficaram de fora do acordo representam a maioria dos sindicalizados.
A ostracização de determinado grupo de trabalhadores é, além de anticonstitucional, de uma baixeza política sem paralelo, mesmo neste Governo. Os sindicatos que não quiseram negociar, fizeram-no porque, na realidade, essa discussão estava viciada à partida. Isto é, o plano de privatização estava traçado e nada do que os sindicatos pudessem dizer iria alterar esse estado de coisas. Aliás, o Governo fez questão de afirmar peremptoriamente que nada o iria demover de vender a TAP. E foi baseada nessa premissa que o grupo dos 9 sindicatos decidiu encetar uma ronda negocial, cancelado a adesão à greve prevista para o período natalício.
Chegados a este ponto, existem duas questões que interessam analisar. A primeira diz respeito aos sindicatos e às diferenças que efectivamente existem entre os mesmos. Pode-se dividir a actividade sindical, grosso modo, em dois grandes grupos: os sindicatos do sistema e os sindicatos do não-sistema, que tentam resgatar a dignidade laboral à Coligação. Os sindicatos, principalmente os do sistema, têm de entender que são estruturas colectivas baseadas na vontade de união dos trabalhadores, para assim ganharem escala e poder negocial junto de quem decide ou detém o capital. Essa relação é tradicionalmente desequilibrada em desfavor dos trabalhadores e os sindicatos surgem como uma resposta para atenuar esta desigualdade. Representam em primeiro lugar os seus associados, mas nunca podem olvidar os restantes trabalhadores da empresa em questão, sob pena dessa desmoronar como um castelo de cartas. Por isso mesmo, quando ontem se ouviu o execrável Pires de Lima destilar veneno, acompanhado do cobrador do fraque das privatizações Sérgio Monteiro, garantindo que haveria uma cláusula de salvaguarda no caderno de encargos para os funcionários sindicalizados num dos 9 sindicatos, essa peçonha alcançou todos os sindicalistas que colocam uma visão redutora e individualista à frente da ideia de união e ganho colectivo. Este grupo dos 9 deveria imediatamente demarcar-se desta posição e afirmar claramente que numa empresa todos os trabalhadores devem ser tratados de forma igual. Não será certamente a ressalva que nenhum dos seus associados vai ser despedido enquanto o Estado for accionista da TAP (pelo período previsível de 2 anos), que salvará a empresa. Em última análise, o despedimento dos funcionários dos outros sindicatos ou não sindicalizados esvaziará a TAP de capital humano e a empresa implodirá. Esta falsa sensação de insegurança pode ressaltar e apanhar desprevenidos todos os associados deste grupo dos 9. Num cenário deste tipo é fácil adivinhar o avanço da terciarização do trabalho na empresa e consequente precarização, onde dificilmente se evitará o contágio a todos os seus trabalhadores.
A segunda questão relaciona-se com a posição negocial, que o Governo tem tomado na concertação. Numa atitude claramente de rufião, o Governo impõe a sua força, passando a mensagem de que “quem não está connosco, está contra nós”. A democracia, o consenso, o direito à opinião e à diferença são factores que ficam à porta da sala de reunião. Com isto pretende-se incutir na opinião pública que o Governo leva sempre a sua avante e que mais vale aceitar um brinde do que ficar sem nada... Nesta negociação vende-se a ideia de que quem negociou com o Governo tem o bónus de não ser despedido, enquanto os outros terão como destino as filas dos Centros de Emprego. É a instalação do medo como arma negocial, o que revela tiques totalitários que outrora descartámos.
Quem tenta discernir para além da cortina de fumo, pode adivinhar uma intenção governativa evidente. Com esta postura e tipo de negociação, o Governo pretende esvaziar de conteúdo os sindicatos não-sistema que lutam contra o resgate dos direitos laborais. O objectivo desta política da inevitabilidade é que o discurso sindical caia no campo da retórica pura, contribuindo para a opinião mais ou menos generalizada de que os sindicatos não fazem nada, nem fazem falta.
A verdade é que em muitos sectores têm sido os sindicatos que, bem ou mal, têm assegurado o mínimo e posto um travão à índole híper-reformista da Coligação. Mas também é verdade que cabe a estes, principalmente os do não-sistema, melhorar a forma de comunicar, explicando qual o seu espaço e importância na sociedade actual.

Pessoalmente, não tenho qualquer dúvida que os sindicatos são essenciais na relação laboral, e mais ainda em alturas de crise como a que atravessamos, em que os cortes e recortes, a precariedade e o desemprego, afectam tantos trabalhadores. A contratação colectiva e a luta pelos direitos laborais são também uma arma da maior relevância na eterna tentativa de atenuar as desigualdades e caminhar para uma sociedade mais justa e redistribuidora da riqueza gerada. Contudo não podem limitar a sua existência a fechar-se na posição do contra. Mas também não devem aceitar presentes envenenados, como as negociações viciadas com condições aprioristas determinadas unilateralmente. Se optarem por esta última via, realmente não farão muita falta...

Montijo 16 de Janeiro de 2014
Miguel Dias

Delegado sindical e membro do conselho nacional do STEC (Sindicato dos Trabalhadores das Empresas do Grupo Caixa Geral de Depósitos)

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