Uma barbárie autêntica, tudo o que se passa em torno da TAP. A privatização
propriamente dita já foi amplamente rebatida na praça pública. Mas o passo dado
ontem no acordo alcançado com 9 dos 12 sindicatos representativos dos
trabalhadores daquela empresa (ainda) pública entra num nível totalmente
diferente. Em bom rigor, deve-se referir que os 3 sindicatos que ficaram de
fora do acordo representam a maioria dos sindicalizados.
A ostracização de determinado grupo de trabalhadores é, além de
anticonstitucional, de uma baixeza política sem paralelo, mesmo neste Governo.
Os sindicatos que não quiseram negociar, fizeram-no porque, na realidade, essa
discussão estava viciada à partida. Isto é, o plano de privatização estava
traçado e nada do que os sindicatos pudessem dizer iria alterar esse estado de
coisas. Aliás, o Governo fez questão de afirmar peremptoriamente que nada o
iria demover de vender a TAP. E foi baseada nessa premissa que o grupo dos 9
sindicatos decidiu encetar uma ronda negocial, cancelado a adesão à greve
prevista para o período natalício.
Chegados a este ponto, existem duas questões que interessam analisar. A
primeira diz respeito aos sindicatos e às diferenças que efectivamente existem
entre os mesmos. Pode-se dividir a actividade sindical, grosso modo, em dois
grandes grupos: os sindicatos do sistema e os sindicatos do não-sistema, que
tentam resgatar a dignidade laboral à Coligação. Os sindicatos, principalmente
os do sistema, têm de entender que são estruturas colectivas baseadas na
vontade de união dos trabalhadores, para assim ganharem escala e poder negocial
junto de quem decide ou detém o capital. Essa relação é tradicionalmente
desequilibrada em desfavor dos trabalhadores e os sindicatos surgem como uma resposta
para atenuar esta desigualdade. Representam em primeiro lugar os seus
associados, mas nunca podem olvidar os restantes trabalhadores da empresa em
questão, sob pena dessa desmoronar como um castelo de cartas. Por isso mesmo,
quando ontem se ouviu o execrável Pires de Lima destilar veneno, acompanhado do
cobrador do fraque das privatizações Sérgio Monteiro, garantindo que haveria uma cláusula de
salvaguarda no caderno de encargos para os funcionários sindicalizados num dos
9 sindicatos, essa peçonha alcançou todos os sindicalistas que colocam uma
visão redutora e individualista à frente da ideia de união e ganho colectivo.
Este grupo dos 9 deveria imediatamente demarcar-se desta posição e afirmar
claramente que numa empresa todos os trabalhadores devem ser tratados de forma
igual. Não será certamente a ressalva que nenhum dos seus associados vai ser
despedido enquanto o Estado for accionista da TAP (pelo período previsível de 2
anos), que salvará a empresa. Em última análise, o despedimento dos
funcionários dos outros sindicatos ou não sindicalizados esvaziará a TAP de capital
humano e a empresa implodirá. Esta falsa sensação de insegurança pode ressaltar
e apanhar desprevenidos todos os associados deste grupo dos 9. Num cenário deste
tipo é fácil adivinhar o avanço da terciarização do trabalho na empresa e
consequente precarização, onde dificilmente se evitará o contágio a todos os seus
trabalhadores.
A segunda questão relaciona-se com a posição negocial, que o Governo tem
tomado na concertação. Numa atitude claramente de rufião, o Governo impõe a sua
força, passando a mensagem de que “quem não está connosco, está contra nós”. A
democracia, o consenso, o direito à opinião e à diferença são factores que
ficam à porta da sala de reunião. Com isto pretende-se incutir na opinião
pública que o Governo leva sempre a sua avante e que mais vale aceitar um
brinde do que ficar sem nada... Nesta negociação vende-se a ideia de que quem
negociou com o Governo tem o bónus de não ser despedido, enquanto os outros
terão como destino as filas dos Centros de Emprego. É a instalação do medo como
arma negocial, o que revela tiques totalitários que outrora descartámos.
Quem tenta discernir para além da cortina de fumo, pode adivinhar uma
intenção governativa evidente. Com esta postura e tipo de negociação, o Governo
pretende esvaziar de conteúdo os sindicatos não-sistema que lutam contra o
resgate dos direitos laborais. O objectivo desta política da inevitabilidade é
que o discurso sindical caia no campo da retórica pura, contribuindo para a
opinião mais ou menos generalizada de que os sindicatos não fazem nada, nem
fazem falta.
A verdade é que em muitos sectores têm sido os sindicatos que, bem ou mal,
têm assegurado o mínimo e posto um travão à índole híper-reformista da Coligação.
Mas também é verdade que cabe a estes, principalmente os do não-sistema,
melhorar a forma de comunicar, explicando qual o seu espaço e importância na
sociedade actual.
Pessoalmente, não
tenho qualquer dúvida que os sindicatos são essenciais na relação laboral, e
mais ainda em alturas de crise como a que atravessamos, em que os cortes e
recortes, a precariedade e o desemprego, afectam tantos trabalhadores. A
contratação colectiva e a luta pelos direitos laborais são também uma arma da
maior relevância na eterna tentativa de atenuar as desigualdades e caminhar para
uma sociedade mais justa e redistribuidora da riqueza gerada. Contudo não podem
limitar a sua existência a fechar-se na posição do contra. Mas também não devem
aceitar presentes envenenados, como as negociações viciadas com condições
aprioristas determinadas unilateralmente. Se optarem por esta última via,
realmente não farão muita falta...
Montijo 16 de Janeiro de 2014
Miguel Dias
Delegado sindical e membro do conselho nacional do STEC (Sindicato dos
Trabalhadores das Empresas do Grupo Caixa Geral de Depósitos)
Sem comentários:
Enviar um comentário