domingo, 17 de maio de 2015

Despir a camisola

Ponderei bastante antes de escrever estas linhas. Não é um assunto fácil de abordar, pois está envolto em alguma polémica. Mas como já se respira Abril decidi avançar, uma vez que este caso é atentatório das liberdades e direitos conquistados. Não escrevo como homem; nem como mulher. Escrevo como ser humano e como cidadão. Isso é importante frisar.
Quando alguém demonstra grande empenhamento no seu trabalho é vulgar usar a expressão “vestir a camisola”. Ora no caso das profissionais de saúde do Hospital de Santo António e do Hospital de São João o caso é literalmente o contrário. Não falo directamente da vertente laboral, antes das sessões de saúde ocupacional, onde as mães de crianças com mais de um ano de idade que tenham ainda direito a licença de amamentação são incitadas a fazer prova desse mesmo direito, espremendo o leite das mamas frente aos médicos. A notícia do Público do passado dia 19 de Abril de 2015 não deixa margem para dúvidas. Um trabalho jornalístico fundamentado, com fontes e afirmações de ambos os lados da barricada. Infelizmente isto é real e passa-se no Portugal do século XXI.
É difícil definir a quantos níveis isto me repugna... Evidentemente que não podemos passar ao lado do grave problema de falta de profissionais nas unidades hospitalares e centros de saúde. Não fosse esse o pano de fundo e julgo que dificilmente teríamos administrações hospitalares a tomar medidas como que saídas do tempo da inquisição. No entanto, tal não pode ser justificativo para estes episódios. Esta actuação é um atentado às liberdades fundamentais e uma humilhação brutal da condição feminina. É ultrajante que se exponha assim um ser humano, somente para se conseguir perceber se a mãe tem ou não leite. Até porque o simples facto de se perceber que a progenitora tem leite, não obriga a que se conclua que a mesma está a amamentar...
Também não pode ser justificação a ideia generalizada e muito mal fundamentada, pois parte apenas de vox populi e não de factos concretos, de que muitos dos atestados que as mães apresentam são falsos. A lei determina que sejam apresentados atestados médicos mensais comprovando que a mulher continua a amamentar a criança para além do ano de idade. Se esses documentos são falsos, que se culpem os prevaricadores. Mas não se promova uma caça às bruxas gratuita e humilhante. Existem outros meios de fiscalização menos medievais, como por exemplo através de análises clínicas.
Entristece-me o facto de perceber que a maioria dos homens não consegue entender que as mulheres se sentem violadas na sua intimidade perante um procedimento deste género. Julgam que tudo é justificável para achar uma vigarista. Que no fundo as mulheres querem é estar no bem-bom, com o horário reduzido em duas míseras horas durante mais um tempinho; e para evitar esses abusos, tudo é justificável! Normalmente esses são também os homens que não se lembram de ajudar nas tarefas domésticas, o que implica que as mulheres trabalhem muito mais em casa do que as duas horas em que vêem o seu horário encolhido. Perante tal disposição, a mim só me resta “despir a camisola” do machismo moderno, afirmando a minha solidariedade para com estas mulheres.
Todo o ser humano deve condenar qualquer forma de perseguição individual e o país de Abril, que agora completa 41 anos de liberdade, já deveria ter aprendido essa lição.
Montijo, 23 de Abril de 2015
Miguel Dias

Ser Humano

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