Ponderei
bastante antes de escrever estas linhas. Não é um assunto fácil de
abordar, pois está envolto em alguma polémica. Mas como já se
respira Abril decidi avançar, uma vez que este caso é atentatório
das liberdades e direitos conquistados. Não escrevo como homem; nem
como mulher. Escrevo como ser humano e como cidadão. Isso é
importante frisar.
Quando
alguém demonstra grande empenhamento no seu trabalho é vulgar usar
a expressão “vestir a camisola”. Ora no caso das profissionais
de saúde do Hospital de Santo António e do Hospital de São João o
caso é literalmente o contrário. Não falo directamente da vertente
laboral, antes das sessões de saúde ocupacional, onde as mães de
crianças com mais de um ano de idade que tenham ainda direito a
licença de amamentação são incitadas a fazer prova desse mesmo
direito, espremendo o leite das mamas frente aos médicos. A notícia
do Público do passado dia 19 de Abril de 2015 não deixa margem para
dúvidas. Um trabalho jornalístico fundamentado, com fontes e
afirmações de ambos os lados da barricada. Infelizmente isto é
real e passa-se no Portugal do século XXI.
É
difícil definir a quantos níveis isto me repugna... Evidentemente
que não podemos passar ao lado do grave problema de falta de
profissionais nas unidades hospitalares e centros de saúde. Não
fosse esse o pano de fundo e julgo que dificilmente teríamos
administrações hospitalares a tomar medidas como que saídas do
tempo da inquisição. No entanto, tal não pode ser justificativo
para estes episódios. Esta actuação é um atentado às liberdades
fundamentais e uma humilhação brutal da condição feminina. É
ultrajante que se exponha assim um ser humano, somente para se
conseguir perceber se a mãe tem ou não leite. Até porque o simples
facto de se perceber que a progenitora tem leite, não obriga a que
se conclua que a mesma está a amamentar...
Também
não pode ser justificação a ideia generalizada e muito mal
fundamentada, pois parte apenas de vox populi e não de factos
concretos, de que muitos dos atestados que as mães apresentam são
falsos. A lei determina que sejam apresentados atestados médicos
mensais comprovando que a mulher continua a amamentar a criança para
além do ano de idade. Se esses documentos são falsos, que se culpem
os prevaricadores. Mas não se promova uma caça às bruxas gratuita
e humilhante. Existem outros meios de fiscalização menos medievais,
como por exemplo através de análises clínicas.
Entristece-me
o facto de perceber que a maioria dos homens não consegue entender
que as mulheres se sentem violadas na sua intimidade perante um
procedimento deste género. Julgam que tudo é justificável para
achar uma vigarista. Que no fundo as mulheres querem é estar no
bem-bom, com o horário reduzido em duas míseras horas durante mais
um tempinho; e para evitar esses abusos, tudo é justificável!
Normalmente esses são também os homens que não se lembram de
ajudar nas tarefas domésticas, o que implica que as mulheres
trabalhem muito mais em casa do que as duas horas em que vêem o seu
horário encolhido. Perante tal disposição, a mim só me resta
“despir a camisola” do machismo moderno, afirmando a minha
solidariedade para com estas mulheres.
Todo
o ser humano deve condenar qualquer forma de perseguição individual
e o país de Abril, que agora completa 41 anos de liberdade, já
deveria ter aprendido essa lição.
Montijo,
23 de Abril de 2015
Ser
Humano
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