segunda-feira, 13 de maio de 2013

O Povo É Quem Mais Ordena

         No passado dia 2 de Março do corrente, o Povo saiu à rua e tentou ordenar... Olhando para trás vemos que o mote não singrou, mas foi uma continuação do trabalho de sapa que o Movimento Que Se Lixe a Troika tem realizado, e que continua a realizar, seja através do lançamento da Moção de Censura Popular, seja através do incitamento ao Protesto Mundial contra a austeridade, a realizar no próximo dia 1 de Junho. Claro que marquei presença nessa manifestação e tentei levar o máximo de pessoas a esse protesto. Na sexta-feira anterior, dia 28 de Fevereiro, tentei através de um pequeno texto alertar algumas consciências. Passo a transcrevê-lo:

O ar está pesado na Repartição de Finanças, nesta tarde cinzenta de 2 de Março de 2023, estranhamente quente para a altura do ano. Um monitor preso do tecto atira números e letras, convertendo-os em pessoas (ou contribuintes) que muito a custo se levantam, arrastando-se até ao Funcionário impaciente de lhes abrir as portas do purgatório.
        É a data limite para pagar o Imposto Adicional Sobre a Água (IASA), recentemente instituído pelo auto-intitulado Comité de Salvação da Nação, numa milésima medida para tentar acalmar os mercados e baixar os juros da dívida e equilibrar as contas públicas e... No fundo, este era um dever de todos os cidadãos patrióticos.
“Senha 4493 ao Balcão Q”! É a minha vez... Uma grade metálica separa o vil mortal do burocrata de pacotilha, levantada após alguns actos de desespero por parte de contribuintes esvaziados de sua migalha de vida. Sou atendido por uma funcionária de postura estadista e sorriso artificial. Em vão, explico que há muito que mandei cortar a água em casa e que já não me encontro ligado à rede de abastecimento público. É-me retorquido que não é motivo para não pagar o imposto. Que embora a água não me chegasse a casa eu tinha acesso a esse bem, nas fontes públicas, nos balneários municipais, ou na rede de saneamento, estruturas que teria de usar obrigatoriamente. O princípio é que toda a casa deve pagar IASA. Derrotado à partida, tento num último esforço ceder o meu telemóvel, que se encontra sem uso vai para 3 anos, altura em que fui “dispensado”, em troca do pagamento do imposto, mas a Técnica declina. Afirma que a campanha de trocas de bens tecnológicos, por serviços e bens essenciais já acabou há mais de um ano e que o Estado não pensa retomar essa prática.
Bem fundo no meu bolso procuro os €150,00 que restaram do último trabalho que tinha conseguido, já há mais de dois meses, e relutante coloco-os numa gaveta metálica, puxada do outro lado da barricada pela Funcionária, que agora exibia um sorriso largo e sincero. Guardo o comprovativo e os €2,00 de demasia, e caminho lentamente em direcção à saída. No percurso, a porta parece afastar-se cada vez mais. Um desejo começa a formular-se na minha mente. O que eu não dava para voltar 10 anos atrás no tempo e tentar, a todo o custo, evitar a génese do Comité de Salvação da Nação. O que eu não dava para voltar 10 anos atrás no tempo e travar as medidas de austeridade, consideradas prementes, que acabaram por pôr todo um país de joelhos, enquanto uma mão invisível esfregava o nosso focinho numa poça de lama. O que eu não dava, o que eu não dava... Mas nesse dia, nessa tarde, em que o descontentamento e a revolta saíram à rua, numa manifestação convocada pela sociedade civil, eu estava confortavelmente sentado no meu sofá de pele a ver tudo em directo no meu “brutal” ecrã plasma. Preguiçosamente espraiava-me pelas divisões artificialmente condicionadas do meu apartamento, naquele frio Sábado acrónico. Dava tudo como adquirido, convencido de que nunca o infortúnio me bateria à porta.
Enquanto rodo a maçaneta da porta de acesso à rua, visualizo o caminho mais curto que me leve à Praça de Jorna, na tentativa de arranjar um trabalho que me valha uns trocos ou uma simples côdea de pão. Paraliso perante a visão com que me deparo. Um rio de gentes desce a calçada no sentido do Marquês, ostentando cartazes caseiros e bradando palavras de luta. Gentes dos mais variados quadrantes, grupos sociais e faixas etárias. “Vamos “Grandolar” o país!”, diz-se de boca em boca. No ar paira um estranho clima de esperança, uma noção abstracta de que este era o dia! Olhei em volta, atónito, e junto-me ao coro “O Povo É quem mais ordena!” O alento renasce em mim. Desta vez, nesta segunda oportunidade, marco presença e junto a minha voz à indignação de um país.

Miguel Videira Cardoso Dias (cidadão português)
28-02-2013

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