sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Debate: Grandes manifestações – para que servem?

Foi com uma mente aberta e uma esperança escondida, que esta quinta-feira dia 14 de Novembro de 2013, pelas 21 horas, me desloquei ao debate “Grandes Manifestações – para que servem?”, patrocinado pela Academia Cidadã. Sentei-me entre a plateia, com uma expectativa latente e sedento de algo. Este foi o principal condão que a iniciativa teve, o de me meter a pensar realmente, para que servem as grandes manifestações. Pensei ser possível encontrar respostas, mais do que tentar fazer doutrina. Até porque neste capítulo tinha muitas dúvidas e poucas certezas.

À medida que o debate fluía, emergiam algumas ideias válidas e outras que me adensavam as incertezas. Mas assim é nestes casos, e invariavelmente saímos sempre mais ricos destes encontros, porque mesmo cobertos de incertezas alguém nos desafiou e confrontou o intelecto. É impossível não ganhar neste tipo de iniciativas.
Mas curiosamente deu-me a sensação que o “sectarismo” esteve à solta, não no painel de debate, mas entre os assistentes. Quando a voz passou para o lado de cá dos microfones, as posições extremaram-se, numa plateia que estava claramente faminta de revolução. Esqueceram-se é que o “inimigo” ficou à porta e não se encontrava entre aquelas 4 paredes. Foi evidente a crítica, na maior parte das vezes gratuita, ao papel das organizações que se fizeram representar. Apenas por uma vez me lembro de alguém erguer a voz na defesa e louvor da atitude destas pessoas, que muitas vezes representam os anseios de toda a sociedade expiando os seus medos. Estes actores desempenham um papel fundamental, neste teatro chamado Portugal.

O debate em torno das grandes manifestações e sua inscrição no espaço público quer-se sério e profícuo. Isto não é um concurso. Não se trata aqui de demonstrar que a minha ideia é melhor que a tua. Até porque é de um colectivo que devemos falar. Esse mesmo colectivo que com um objectivo delineado – o fim desta política de austeridade – vem ao espaço público clamar justiça. Até porque em última análise as ideias válidas deixam de ser minhas ou tuas e passarão a ser NOSSAS, adoptadas por um grupo que apenas deseja o melhor possível para cada indivíduo que o compõe.

Logicamente em democracia, ninguém está incólume à crítica e ela tem um valor e espaço próprio que importa manter. Estou perfeitamente consciente que é da discussão das nossas divergências que se geram consensos. Mas a crítica tem de ser construtiva, tal como o diálogo. Muito de útil e produtivo foi dito entre o painel, mas da assistência poucas ideias brotaram, embora as participações tenham sido muitas.

A luta que o país enfrenta não se compatibiliza com o protagonismo ou necessidade de reconhecimento. Todos devemos remar no mesmo sentido, unindo esforços por um objectivo comum. A mudança de paradigma político, que se materializa no fim da austeridade, é a principal meta que almejamos. Parece-me pouco provável que tal suceda sem uma mudança governativa, pois o actual elenco já deu mostras de não conhecer outro caminho. Os erros acumulam-se, mas a receita mantem-se. Falharam-se todos os alvos, mas a austeridade continua a ditar a sua lei. É notório que assim não vamos lá.

E é dentro desta conjuntura que se regista a importância enorme da noção de espaço público e a forma como este dever ser ocupado. Sou apologista de que o mais importante é agir. Não apenas no sentido restrito da “acção mecânica”, pois falar, debater, discutir, também pode ser (é) agir. As grandes manifestações servem precisamente para isso. Para transportar a indignação ao espaço público e criar neste um local de debate, de confronto político e ideológico. Mediatizadas pelo número, transmitem um peso próprio e criam uma influência involuntária junto da sociedade civil. Manifestações como o 12 e Março e o 15 de Outubro de 2011 ou o 15 de Setembro de 2012, dificilmente serão apagadas da memória colectiva e tiveram o mérito de voltar a colocar o espaço público na ordem do dia. Espaço esse que, na sua vertente “Rua”, a CGTP nunca deixou morrer. Alimentando-o quase isoladamente durante anos e evitando a sua desertificação e abandono. Mesmo que de simples desfiles se tratassem, esta acção foi essencial para a manutenção do protesto.

A meu ver, esse quase abandono do protesto deveu-se essencialmente a uma falsa noção de prosperidade que vingou na sociedade. Efectivamente um país que pouco produz e que rifou a sua agricultura, pescas e indústria, dificilmente pode ser próspero. E esta nova prespectiva que se impôs primeiro pelas organizações ditas inorgânicas e depois, de forma quase natural, por todos nós, insiste na participação fundamental da população na vida política como agente activo, exigindo a responsabilização de quem está ao leme da nação. E não é pelo caminho da abstenção eleitoral que chegamos a esse fim. A inércia política e a ausência de escolha, é agora um luxo que está ao alcance de muito poucos.

Uma coisa é certa, este tipo de manifestações inorgânicas, geradas a partir de movimentos mais ou menos organizados, mudou a perspectiva que se tinha destas formas de luta. O “monopólio” sindical do protesto deixou de fazer sentido. Isso é essencial para uma larga franja da população, que já não se revê nos partidos ou nos sindicatos, tal como actualmente os conhecemos, e que adere agora a movimentos que denotam um espírito apartidário e plural, independentemente das pessoas que os constituem.

A participação da sociedade civil como um todo deve também ter expressão no espaço público, que eu entendo de uma forma lata. O espaço público é a rua por onde desfilam as grandes manifestações, carregadas da nossa indignação. É a praça pública onde se gera o debate, é o espaço virtual e as redes sociais que acordam o povo e o mobilizam em prol de um objectivo comum. Mas é também o local de trabalho, o café ou restaurante, o transporte público, a nossa vizinhança, a nossa família. Por vezes a intervenção que se inicia nestes nichos tem uma escalda exponencial, criando verdadeiras correntes.

A importância da conquista e manutenção do espaço público, seja pelas grandes manifestações ou pelas pequenas intervenções, é fulcral. Mas tão ou mais importante é a complementaridade que se exige a todos os movimentos, orgânicos ou não, na persecução do mesmo objectivo – a mudança de rumo. Aí sim, o espaço ocupado será verdadeiramente público, pois congregará em si mesmo toda a heterogeneidade que constitui a matriz social. Só vejo uma forma de isto conseguir ser feito. Através da aliança de todos criando uma onda de fundo na sociedade civil o mais transversal possível, que englobe o máximo de ideologias e crenças. Isto não implica a extinção de qualquer movimento. Todos são válidos. Se alguma coisa deve suceder é a aparição de novos, que mobilizem mais pessoas para o protesto É sabido que são muitos os sectores que se encontram descontentes, porque não tirar proveito disso?

Miguel Dias 2013-11-15

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