No passado dia 16 de Novembro de 2013 estive presente na acção levada a cabo pelo Manifesto para uma Esquerda Livre. Ouvi e meditei sobre a criação de um novo Partido à Esquerda. Até estive quase para intervir, mas por ser algo impulsivo tenho sempre receio que as minhas palavras possam ser interpretadas erradamente. Aliado a isso, o poder de síntese não é decididamente o meu forte e o tempo, o vosso e o meu, era limitado. Posto isto, e visto ser assinante do Manifesto em cujo conteúdo eu me revejo, decidi escrever umas linhas sobre o assunto, pois consigo sempre organizar melhor as minhas ideias e pensamentos desta forma. Deixo assim o meu contributo, que espero seja acolhido de forma positiva e encarado como uma crítica construtiva ao que se perfila no horizonte – a criação de um novo Partido.
Por mais de uma vez tentei elencar os prós e os contras da criação de um novo partido de Esquerda. Invariavelmente chego ao fim da listagem empatado. Ainda hoje reflicto sobre essa questão e acreditem que não iniciei esse processo apenas nesse Sábado. A pertinência do seu aparecimento e as linhas mestras que deve seguir são perguntas com as quais me confronto e debato. Ressalvo no entanto que, por princípio, sou sempre favorável à criação de Partidos, até porque os considero agentes vitais no funcionamento das democracias.
Muita coisa foi dita e muita opinião difundida na reunião do Teatro São Luiz. Foi, por exemplo, dito que é preciso acordar os cidadãos para o activismo político, dentro ou fora dos Partidos. Mais, solicitou-se que os militantes que não se revissem nos seus actuais Partidos, tentassem alterar internamente os mesmos. Isso deixa-me a questão: porquê que Rui Tavares não tentou fazer isso no Bloco de Esquerda, quando afirma sentir-se bem com pessoas do Bloco e com algumas pessoas do PS? Poderá estar relacionado com a apelidada falta de liberdade e de pluralidade que afirma faltar no espectro político nacional? Se for este o caso, sou forçado a concordar com esta posição. Os Partidos da Esquerda nacional são demasiadamente inflexíveis. Passam, a meu ver, para além da coerência, pois só organizações autistas não se apercebem das mudanças na sociedade e da realidade em que o país está inserido, quer no contexto europeu, quer no mundial. Infelizmente ainda é prática comum que vozes dissonantes no interior do Partidos sejam ostracizadas e muitas vezes expulsas dos mesmos. Da Esquerda portuguesa separo o caso singular do PS, que já deu mostras de ser bastante flexível à Direita, mas duma rigidez tremenda no seu próprio “meio ambiente”.
Entre as muitas intervenções destaco uma que afrontava o Comunismo e apelidava as utopias de perigosas. Evidentemente que sou desfavorável à mesma, até porque esta não será a melhor forma de atingir o intento de unir as Esquerdas. Relembro que não foi o Comunismo que nos conduziu ao estado actual, mas se hoje debatemos a Democracia, muito se deve a esse Partido. É certo que muitas utopias são perigosas, aliás a concretização das mesmas, embora a meu ver mais perigosa é a realidade que vivemos! Estamos numa encruzilhada histórica em termos nacionais e europeus. Interessa pois saber qual o caminho que queremos seguir. Para tal, temos de pensar o que queremos ser enquanto povo e enquanto nação. Que modelo queremos instituir e como iremos lá chegar. Em suma, se queremos manter um Estado Social, pedra angular das modernas democracias ocidentais, que seja forte o suficiente para proteger e cuidar dos mais desfavorecidos ou, em alternativa, se optamos por um Estado de serviços mínimos em que todas as funções possíveis são alienadas aos privados, tecendo estranhas teias de favorecimentos a grandes grupos económicos, que florescem à sombra das contribuições de dinheiros públicos. No fundo se pretendemos ser solidários ou se nos rendemos a uma visão darwinista onde impera a lei do mais forte.
Se tal premissa é conseguida através da criação de um novo Partido é extremamente discutível. Conquanto a declaração de princípios do LIVRE seja quase impossível de criticar por quem se identifique como sendo de Esquerda, a verdade é que o resultado da génese de um novo Partido político pode resultar, ao invés do desejo de unir as Esquerdas, numa vitória para a Direita, por efeito dos problemas inerentes ao círculos eleitorais e ao método de Hondt. A isto soma-se o facto de ser sempre mais fácil a união à Direita pois, convenhamos, a sua agenda é bem mais pragmática e simplista e seus objectivos muito mais imediatos. Julgo que poderia ser encarada a hipótese deste novo partido participar com listas próprias às eleições europeias e autárquicas e tentar negociar coligação/coligações nas eleições legislativas, evitando a possível perda de deputados parlamentares.
A Esquerda é mais heterogénea na sua composição. Isso acarreta um desafio muito maior para conseguir a sua união. Mas, numa perspectiva positiva, as divergências de opinião enriquecem também o seu conteúdo programático. Do caldeirão de ideias pode e deve surgir uma Democracia “mais representativa” dos reais anseios do povo. Dessa forma chegar-se-á ao maior número possível de cidadãos. Para tal, não basta pegar em meia dúzia de dissidentes do Bloco de Esquerda e do PS, arremessar um punhado de escorraçados do PCP, juntar cimento e mexer tudo. Não é isso que vai dar coesão a um Partido que se apresenta como uma lufada de ar fresco no panorama político.
Liberdade, Igualdade e Fraternidade, são os princípios basilares que qualquer Democracia deverá seguir. Se juntarmos a isso a Justiça Social temos a receita perfeita para uma sociedade democrática contemporânea. Numa altura em que o populismo encontra terreno fértil para a sua cruzada demagógica, como em todas as ocasiões de crise e desesperança, um novo Partido deverá vincar a sua diferença relativamente aos restantes. Deve também afirmar-se como acérrimo defensor destes princípios, assegurando que a flexibilidade necessária para criar consensos e unir a Esquerda não pode por em causa os mesmos.
Por último, apraz-me dizer que um novo Partido deve tentar atrair a enorme maioria de abstencionistas, que não se revê em qualquer grupo político. Para essas pessoas o que realmente importa é a constituição de uma entidade que faça eco das suas angústias e que ouça os seus problemas. Precisam de vislumbrar um destino e uma razão para lutar. Precisam de se identificar com um Partido que, até pelo nome que ostenta, deverá ser o mais aberto possível. Porque o preconceito não encontra quartel na Esquerda! Não podemos esquecer que há gente válida em todos os quadrantes políticos. Há também muita gente decepcionada à Direita, que se afastou da política. Há uma enorme massa que não encontra um significado para todos os sacrifícios que têm sofrido. Há muitos milhares que não sabem sequer se são de Esquerda ou de Direita. Portanto acho plausível que a designação Esquerda possa ser retirada da sigla partidária. Por mim não me choca, até porque não necessito de ser constantemente relembrando daquilo que sou.
Apesar de todas estas ponderações decidi preencher a pré-inscrição de militante, obviamente pendente dos estatutos do novo Partido ainda por anunciar. Isto porque, independentemente da vontade de dar o meu contributo, nunca tinha encontrado um Partido onde revisse a maioria dos meus valores e linhas orientadoras de vida, como sejam o princípio da solidariedade e o modelo de desenvolvimento sustentável, que deverá sempre equilibrar a visão económica com a urgência ecológica. A Europa e o seu futuro é também um ponto urgente na agenda política. O caminho que trilha conduz à decadência e à extinção do sonho inicial. Não passa de um conglomerado mal-amanhado de nações, onde a única política comum é a ditadura financeira. E, claro está, isso tem repercussões inevitáveis em Portugal, economia marginal no contexto europeu. A sua participação na União é encarada como um favor, ao inverso de ser considerado um membro activo e relevante na sua composição.
Assim, interessa frisar que só a aposta num modelo de real desenvolvimento do país, onde o principal objectivo seja a redução das assimetrias vigentes, sejam elas geográficas, sociais, ambientais, económicas ou outras, pode conduzir a uma Democracia forte e activa. Para qualquer cidadão ter um pensamento LIVRE é essencial estarmos todos ao mesmo nível, tendo igual acesso aos direitos básicos, como a educação, saúde, trabalho e justiça. Só assim se pode operar a mudança...
Miguel Dias
21 Novembro de 2013
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