O futuro que não queremos senta-se todos os dias dentro do nosso televisor, sempre muito reluzente e penteadinho. Veste bem e fala ainda melhor. Verbaliza, num discurso redondo, ameaças camufladas ao estado social. Tenta personificar a realidade de um país que não conhece e que provavelmente nunca visitou. Julga suficiente ir a meia dúzia de feiras e falar com alguns agricultores, para conhecer os reais anseios da população. Viola os nossos sentidos com um populismo sagaz, desenvolvendo mil e uma formas de dizer a mesma mentira. O ontem é sempre medonho, o hoje é claramente inevitável e o amanhã invariavelmente dourado.
O futuro que não queremos arremessa conceitos ocos como ajustamento, período excepcional, cisma grisalho, justiça social ou condição de recurso. Estranha conceitos menos nobres como pobreza, fome e precariedade. Ignora o princípio do igual acesso à Saúde, Educação e Justiça, o verdadeiro triunvirato que deveria reger os princípios de toda e qualquer sociedade moderna e democrática. Faz a apologia da integridade, mas arremessa medidas dantescas que abalam as relações de confiança entre cidadão e Estado.
O futuro que não queremos é o eterno defensor dos fracos e oprimidos. O protector dos idosos e o paladino das crianças. Os mesmos que foram empurrados para a indigência e que se vêem eternamente sentenciados a essa condição. Os que se viram reduzidos a uma refeição por dia, a habitações sociais decadentes e a um destino incerto mais que certo. A hedionda verdade de abrir uma torneira mas a água não verter ou ligar um interruptor e a luz não acender.
O futuro que não queremos delimita linhas vermelhas constantemente, sobre as quais se equilibra habilmente, esticando-as a jusante ou a montante conforme a necessidade. Adormece a nossa consciência colectiva e tenta injectar-nos uma falsa consciência social, com o objectivo de nos culpabilizar pelo estado actual a que o país chegou. A culpa do idoso sem abrigo, da criança com fome, do desempregado de longa duração é sempre nossa, que gastámos acima das nossas possibilidades e vivemos como paxás.
O futuro que não queremos aponta o dedo a atitudes alarmistas, geradas por fugas de informação autóctones e propositadas. Representa na perfeição o papel de bom samaritano, vilipendiando todos os que criticam a austeridade cega, apelidando-os de profetas da desgraça e inimigos da nação. Identifica o rumo seguido como o caminho da verdade e o único possível para acabar com o estado de protectorado em que vivemos, reconquistando assim a nossa soberania. Uma falsa noção de independência, baseada no nirvana do regresso aos mercados.
O futuro que não queremos há muito que deixou de chocar as nossas expectativas. Eles são subsídios que não eram para suspender, salários que não eram para baixar, impostos e taxas que não eram para subir, pensões e reformas que não eram para cortar, desemprego que não era para aumentar, património que não era para alienar.
O futuro que não queremos é lobo trasvestido de cordeiro. Branqueia os seus dentes, apenas para morder de forma mais graciosa...
Já todos sabemos o futuro que não queremos, resta saber o que pretendemos fazer relativamente a isso.
14 de Outubro de 2013
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