sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Temos é que ser gente, pá!


Entrevista publicada originalmente no semanário Se7e, de 27.11.1985.

É quase assustadora a actualidade desta citação. Passadas quase três décadas, uma geração inteira, parece que foi proferida ontem. Infelizmente, isso não é nada bom. Quer dizer que em 30 anos pouco evoluímos. Esta entrevista do Zeca deveria estar datada e ultrapassada. Só a sua música deveria ser intemporal. O conformismo deveria ser um sentimento há muito enterrado, juntamente com os últimos fantasmas da ditadura. Deveríamos respirar liberdade e agitar o caldeirão social ocasionalmente. Mesmo em tempos de prosperidade deveria ser fomentada a discussão, porque há sempre algo a melhorar há sempre outro rumo pelo qual optar. Deveria muita coisa, mas nada sucedeu. E porquê? Porque o medo continua instalado na sociedade. Apenas sofreu uma mutação. O medo físico foi substituído pelo psicológico. Agora já não se foge da PIDE e dos seus bufos. Agora foge-se da precariedade e da miséria. Temos medo, e muito! Medo de perder o emprego, de não ter dinheiro para comer, de ficar sem acesso à saúde ou aos medicamentos, de não conseguir comprar os livros escolares aos nossos filhos e muito mais. Paradoxalmente temos ainda medo de não conseguir pagar a dívida, que não contraímos, e de não conseguir regressar aos mercados. O espectro do caos é-nos impingido diariamente, seja pelas elites instaladas seja pela subserviente comunicação social. E é com esta enorme espada de Dâmocles a pender sobre a cabeça da sociedade, que vivemos o nosso dia-a-dia. Desta forma, interiorizamos que mais vale não criar agitação, não fomentar o desassossego. Não vá o fio quebrar e a espada cair.
As lições da história recente do país foram rapidamente esquecidas. Facilmente apagadas com os milhões encaixados pela entrada na CEE. A fonte parecia não secar e deixámo-nos ao sabor de uma classe política esventrada de qualquer ideologia (seja de esquerda ou de direita), em que o roteiro seguido é o do caminho mais fácil para o cifrão. E aparentemente estamos conformados com este estado de coisas, pois continuamos a arranjar bodes expiatórios para fugir ao confronto. Porque chove ou está calor, porque são todos iguais, porque não há como escapar, porque a Greve é boa é para o patrão e porque as manifestações nunca dão em nada.
Mas todos concordamos que o caminho do sacrifício eterno dos mesmos, não pode ser solução. Algo tem de ser feito. Infelizmente não é possível fazer no conforto de nossa casa, olhando para o ecrã do computador. O mesmo pode e deve ser usado como uma arma para despertar consciências e divulgar informação, que de outra forma não chegaria à população em geral. Mas só descendo às ruas poderemos forjar no espaço público, perante todo o país, a justiça desta luta! Temos de dizer basta, mas também apresentar opções. A confrontação ideológica não é fácil, exige coragem, maturidade democrática, consciência política. Mas é preciso contrapor alternativas ao caminho da austeridade. E elas existem. Estão escondidas em PPP’s e nos off-shores, na Banca e nos Swaps. Ardilosamente disfarçadas em concursos públicos estranhos ou em derrapagens orçamentais incoerentes. Voltámos, portanto, a cair no mesmo logro, agora em versão 2.0.
Amanhã dia 19 de Outubro de 2013, o povo vai sair à Rua. A acção foi proposta pela CGTP, mas deve extravasar o contexto sindical, sob pena de ficar rotulada. Espero, por todos nós, que as manifestações no Porto e em Lisboa tenham uma “brutal” adesão. Homens e mulheres, novos e velhos, público e privado, empregados e desempregados, toda a população clamando por um outro caminho, possível e justo! Deixarmos de carregar esse estigma que nos reduz à condição de “mulherzinhas” e “homenzinhos”. Renovar e instaurar a arte do protesto na nossa sociedade, para que aquilo que passamos, jamais volte a suceder. E todos em conjunto lembrarmos que “temos é que ser gente, pá!”, exigindo, simplesmente, ser tratados como tal...

18 de Outubro de 2013
Miguel Dias

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